UMA BARRAGEM EM IGUAPE 4: PERRENGUE NA OBRA

UMA BARRAGEM EM IGUAPE 4: PERRENGUE NA OBRA

Essa estória aconteceu em Iguape, de onde trago excelentes recordações, em 1978. A obra da barragem de fechamento do Valo Grande seguia seu cronograma normal. Como o lançamento do enrocamento era através de barcaças diretamente nas águas do Valo Grande, fazíamos controle da profundidade duas vezes ao dia, antes do início dos trabalhos e imediatamente após a jornada diária. Com esses dados, obtidos com ecobatímetro instalado em barco, podia-se saber o progresso do serviço e onde deveríamos lançar as rochas no dia seguinte. O procedimento para medir profundidade na época consistia em aferir o aparelho com um disco metálico fixado na extremidade de uma corda marcada de metro em metro que o operador vai mergulhando na água e conferindo se o aparelho marca a profundidade correta do disco, Só após aferir e, caso necessário calibrar o ecobatímetro, procedia-se a medição da profundidade do leito do Valo, cujo perfil era registrado em um gráfico. Belo dia, na etapa final da obra, ao aferir o aparelho após o expediente, detectou-se haver uma grande erosão submersa, em consequência da corrente provocada pelos lançamentos de rocha. A jusante da obra, o gráfico indicava uma profundidade de dez metros abaixo do fundo do leito, havia um risco eminente de queda da barragem que estávamos construindo, o que significaria perder um ano de muito trabalho. Imediatamente liguei para a sede da Constran, em São Paulo, falei com o diretor técnico Adroaldo Wolff, solicitando enviar diversos caminhões e outros equipamentos de terraplanagem, de modo a evitar o rompimento do maciço da barragem para preencher o grande buraco no leito do Valo Grande. Paralelamente, providenciei construção de uma extensão do alojamento com mais vinte vagas, encomendei comida para mais vinte homens que viriam de São Paulo. No início da madrugada começaram a chegar os equipamentos pedidos e, aos poucos, fomos instalando o pessoal, pois o dia seguinte seria o início de uma atividade febril para preencher a escavação submersa e concluir o maciço da barragem, quanto mais ágeis fossemos, menor seria a possibilidade de um desastre. Dia seguinte, iniciamos o lançamento do rachão (pedras de grandes dimensões) no local indicado pela batimetria. A partir daí a jornada seria de 24 horas em dois turnos de 12 horas. Só que eu era o único engenheiro da obra, o Geraldo encarregado geral era um só, e o Josafá, apelido Bafafá, era o nosso único encarregado de campo. Era preciso nos sacrificarmos para que os trabalhos não ficassem sem supervisão e orientação. Progredimos com os trabalhos em três frentes. A maior dificuldade era avançar pela margem direita do Valo, nossos caminhões atravessavam de balsa pois não havia ponte, e um em cada viagem devido ao peso. Cada carga pesava dezesseis tonelada ou mais, e a única balsa era pequena. Na margem esquerda utilizamos caminhões fora de estrada e para isso reforçamos o trecho da estrada de terra entre a pedreira e a obra. E, simultaneamente, as barcaças lançavam enrocamento na escavação submersa com controle permanente do ecobatímetro. Tudo isso começou em uma sexta-feira, dia vinte e oito de julho. Foi uma atividade febril. Obras não são executadas com receita ou fórmula mágica. É planejamento e trabalho, novo planejamento e trabalho, muito trabalho, muita gente, muito equipamento e muito material. Aos poucos as coisas planejadas foram acontecendo, o buraco foi preenchido até o nível do leito do Valo Grande e, no dia seis de agosto de os dois tratores de lâmina se encontraram. Um vindo da margem direita e outro da margem esquerda, O Valo Grande estava fechado. Três dias antes eu havia comprado uma botina dois números acima do meu porque estava com os pés inchados de tanto andar em rocha, dias depois voltaram ao normal. Infelizmente, anos depois foi reaberto devido a crônica falta de planejamento de nossos políticos que paralisaram as obras da eclusa. Mas isso é outra história. Eu havia chegado à Iguape no dia seis de agosto de 1977. O Valo Grande foi fechado no dia seis de agosto de 1978. Para quem não sabe, seis de agosto é dia do Bom Jesus de Iguape, creio que Ele me ajudou e protegeu muito.

Paulo Miorim 24/03/2020

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 24/03/2020
Reeditado em 24/03/2020
Código do texto: T6895789
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