Histórias de meu Pai

Ontem conversava com meu pai e ele pediu-me: conte as histórias de como já recebi livramentos nessa vida. Já com uns 5 anos de idade o cavalo de meu pai cismou com minha cara e mordeu minha bochecha, levantando-me do chão várias vezes. Aquilo fez um corte imenso. Minha mãe estancou o sangue com pó de café. Antibióticos? Que nada, sarou na bruta. Ainda menino, certa vez tive uma febre terçã. Provavelmente, aquelas de garganta inflamada. Meu pai chamou-me de madrugada para irmos pra roça, preparar o solo para o plantio de milho. Foi coar o café. Quando percebeu que eu não tinha levantado e supondo que era preguiça, puxou-me a orelha com tanta força que até hoje lembro-me da dor. Colocou-me na garupa de sua mula e fomos. Lembro-me que trabalhei guiando os bois no arado. Com o sol quente do dia e a febre alta, acabei desmaiando. Papai tinha um boi muito manso que fazia parte da junta de bois. Tinha o nome de Fazendão. Papai era louco com aquele boi. Naquela época, pensou em se mudar para Brasília, para ajudar a fazer a capital do Brasil. E dizia que vendia a fazenda, mas não vendia o Fazendão. Mas o boi acabou morrendo de mordida de cascavel. Quando desmaiei de febre, Fazendão estacou, obrigando o outro boi parar também, assim que caí na sua frente. Papai veio correndo ver o que era, carregou-me para a sombra de uma árvore frondosa e continuou o trabalho durante todo dia. Eu, desmaiado de febre. Quando o serviço do dia acabou, sentou-me na garupa da mula e rumou para casa. Antibióticos? Antitérmicos? Isso não existia naquela época. Deus quem curava. Ainda criança, na Fazenda Laranjeira, um temporal se arranjava no céu. O vento soprava, relâmpagos pra tudo que era lado e os trovões depois sacudindo a terra. Eu, nem dava conta daquilo, brincava com a enxada no pequeno curso d'água. Acho que até cantava, distraído na brincadeira de limpar o canal. Um raio caiu muito perto, tão perto que nunca mais achamos a enxada. A impressão que tive foi de ter recebido a descarga elétrica, tamanho o tremor e choque sentidos. A vida não quis que eu morresse, mais uma vez.

Eu servi o Exército Brasileiro. Papai não quis que eu fizesse a carreira militar, saí um tempo depois. Tinha uma arma de fogo. Um dia, ao limpar essa arma, ela disparou, ricocheteou no fogão e seu estampido foi tão forte que eu e Davi, meu irmão, ficamos surdos por um tempo. Foi mesmo por Deus que não me matei sem querer, ou ao Davi. Tenho muitas histórias ainda, de grandes livramentos. Esses tempos de quarentena, coisa que nunca achei que fosse viver, me dá a certeza de que Deus tudo pode. Ele está acima de tudo isso. Tem me feito muitos favores!

Fiquei maravilhada com suas histórias e, responsável por servir de testemunha de um tempo tão hostil. A educação era muito rigorosa. Não era permitido demonstração de afetos. Que tempos rudes a geração do meu pai viveu... Como todos de sua época sobreviveram a todas as doenças, às intempéries, às rudezas? É mesmo por vontade de Deus que aqui estão. E aqui eu rogo a Deus que os proteja e os livre de todos os males. Amém!

Cassia Caryne
Enviado por Cassia Caryne em 24/03/2020
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