A QUE PONTO CHEGAMOS
A Senhora MLD, casada com o industrial CDG, 34 anos dois filhos no ginásio, casa própria, duas empregadas, formada em Psicologia na PUC mas totalmente dedicada ao lar e à família, católica praticante, muito ativa em obras sociais, saiu de casa para ir ao Supermercado, no Volks que o marido comprara para ela usar enquanto ele levava o Corcel para o escritório.
Ao mesmo tempo, a Senhora DSS, casada com o advogado RPS, 28 anos, três filhos (o menor no Maternal), apartamento próprio, uma empregada, com veleidades culturais (alguns poemas) totalmente dedicada ao lar e à família, católica por formação, esparsamente ativa em obras de caridade, saiu de casa para o Supermercado, na Variant que o marido deixava para ela nos dias de fazer rancho.
As senhoras MLD e DSS chegaram ao mesmo tempo na porta do supermercado. M vestia slacks, camiseta de malha (com soutien), um lenço simples na cabeça. D, um vestido estampado, sandálias de couro. Cruzaram na entrada do Supermercado. Não se conheciam, mas sorriram-se. As duas jovens senhoras.
Oito minutos mais tarde, a Senhora MDL, com frio no coração, avistou uma lata de óleo – a última – na prateleira do Supermercado. Apressou o passo, deixando o seu carrinho para trás e pegou a lata. Ao mesmo tempo, a Senhora DSS, que vinha em direção oposta, também pegou a lata. Ambas riram, com a coincidência, mas nenhuma largou a lata.
- Acho que vi primeiro – sorriu M.
- Não, acho que fui eu – sorriu D.
Riram-se outra vez, mais alto, cada uma tentando puxar a lata para si. Meio sem jeito, M, disse:
- Que coisa horrível, a que ponto chegamos!
- Não, acho que fui eu – sorriu D.
M firmou o pé no chão e tento desiquilibrar D. Esta respondeu com um puxão, pensando surpreender M. Caíram sobre a prateleira de açúcar – que felizmente estava vazia.
- Larga! rosnou a formada em Psicologia na PUC.
- Larga! rosnou a eventual poetisa.
A confusão, que já atraíra um considerável assistência, acabou por atrair também o gerente do Supermercado. “Senhoras!” pediu ele, mas já não havia senhoras ali. Duas fêmeas brigava por um presa (Tudo isso aconteceu no Brasil, anteontem). Quem ganhasse levaria o óleo para sua caverna. Dedicadas com igual força ao lar à família, as duas feras derrubaram a gôndola carregada de conservas.
- Os vinhos estrangeiros! gritou, em pânico, o gerente, vendo a direção em que se desenvolvia briga. Ninguém conseguia apartá-las. Estavam ambas, agora, quase nuas.
Derrubaram a gôndola de vinhos estrangeiros. Rolaram, engalfinhadas, sobre os cacos de garrafas. O sangue misturava com tinto, o branco e o rose. Houve um momento em que D conseguiu safar-se da adversária e correr cambaleante, triunfante, pelo corredor, com a lata erguida na sua mão ensangüentada. Mas M correu atrás e com um salto e um berro atracou-se nas costas de D, derrubando-a.
- Chamem a polícia!
D, mais moça conseguiu erguer-se mesmo com M montada nas suas costas. Andava de joelhos. Apertava a lata contra os seios, onde agora o vinho e o sangue se misturavam com farinha, sucrilhos e etiquetas de preços. Todos viram que D dirigia-se para cortar fora aqueles braços que lhe envolviam a cabeça, aquelas mãos que lhe arranhavam o peito buscando a última lata de óleo. E de repente soltou um grito que começou agudo e terminou grave e borbulhante.
Os dentes de M tinham se cravado na sua jugular.