EXECUÇÃO DE OBRAS ANOS SETENTA

EXECUÇÃO DE OBRAS ANOS SETENTA

Sempre ouço que engenharia de obras é uma profissão árida, onde só se fala em números, resultados, cronogramas, equipamentos, etc. Esquecem que obras são feitas por pessoas, iguaizinhas a todo mundo, com os mesmos problemas, dificuldades, preferências. Pessoas que ficam tristes, alegres, irritadas, felizes, infelizes, etc. Executar obras é uma atividade enriquecedora, desfilam em nossa vida um caleidoscópio de tipos humanos, que dificilmente saberíamos existir. Assim, quando iniciei minha vida profissional custei a me acostumar com essa variedade de gente, mas era isso que procurava: trabalhar com execução de grandes obras. O mais interessante era o constante duelo entre nós, empreiteira contratada, e o pessoal da Cosipa, dona da obra. Nada se compara com aqueles verdadeiros embates entre empreiteiro e fiscalização. Discutia-se por prazos não cumpridos, por serviços mal feitos, por serviços não pagos, cada lado cheio de razões. Nesse aspecto, meu amigo Feliciano era invencível. Lembro algumas passagens hilárias, de uma presença de espírito notável.

O chefe do canteiro da Laminação por parte da Cosipa era o Fábio Agostini Xavier, responsável por todos os contratos do setor. Funcionário da Themag, a gerenciadora, Fábio era um profissional sério que agia sempre com muita justiça, reconhecendo quando a empreiteira tinha razão e se impondo defendendo os direitos da Cosipa sempre que necessário. Feliciano possuía um raciocínio rápido e argumentava como ninguém, muito habilidoso.

Nossa empresa estava 45 dias atrasada no cronograma da obra. Chovia há oito dias, aquela chuva constante que é típica da região de Cubatão. Uma tarde modorrenta, escritório da Fiscalização vazio, Feliciano faz uma visita a Fábio. Conversa frivolidades, encaminha o papo para a chuva. Apanha um papel, como quem não quer nada, comenta que estamos parados devido ao clima. Fábio, ocupado em assinar uns documentos, concorda. Feliciano lembra que seis meses atrás ocorrera outro período com cinco dias de paralização, e segue lembrando, que acontecera uma visita do presidente Médici e os trabalhos haviam parados por mais seis dias entre preparativos e serviços de segurança. Fábio concordava com acenos de cabeça e Feliciano prosseguia em sua conversa. Entre atrasos na entrega dos projetos, demora da Cosipa em suprir materiais que eram de responsabilidade do contratante, paralização por ordem da Cosipa em feriados como carnaval e outros, Feliciano, que havia anotado todos os dias parados que independiam da Empreiteira, somou e contabilizou sessenta e oito dias. Mostrou a Fábio que concordou:

- É mesmo. Ocorreram várias paradas.

O que Fábio nem tinha imaginado Feliciano falou:

- Isso, Fábio, quer dizer que na realidade estamos vinte e três dias adiantados na obra, descontando os quarenta e cinco dias oficiais. Você poderia anotar no Diário de Obras?

Fábio Xavier, sem o que argumentar e sendo muito ético, anotou que a Cavalcanti estava vinte e três dias adiantada em seus serviços.

Para quem não sabe, o Diário de Obras é o documento mais importante de um contrato, logo abaixo do próprio contrato e do projeto. Fábio havia documentado que nossa empresa estava com desempenho acima do esperado. Foi a única vez que ocorreu isso nas obras da Expansão, que tinham prazos exíguos e as cobranças eram muitas.

Paulo Miorim 22/03/2020

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 22/03/2020
Reeditado em 26/09/2021
Código do texto: T6894325
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