TÉDIO E CURA
É alta a madrugada...
Dirijo-me à sala e observo a rua deserta, envolta em negritude.
Chove torrencialmente! Da janela vejo o redemoinho, em espiral, sugando lixos para a boca-de-lobo, numa ruidosa vazão das águas de janeiro. As luzes da casa apagam. Acendo a vela e no bruxuleio da chama inquietada pelo vento, sou conduzido ao passado, no tempo de meus usos e costumes retrógrados.
O que passa na cabeça? Não dá lugar ao sono! Reduz-me à fossilização inerte ou ao estágio efêmero de algures não sei o quê?
Seriam falsos prenúncios, confundidos pela inversão entre o certo e o errado, entre o bem e o mal? O vento pode dar uma resposta durante as arremetidas na janela? A sabiá, na laranjeira, pode dizer algo, ou seu regorjeio matutino é simplesmente chamar a atenção do sol?
É preciso verticalizar o pensamento para as alturas (em Deus), adotar uma direção horizontal (na Terra), a fim de seguirmos em paz e proteção divinas. Dizem que no tédio, as almas são folhas de outono que caem e vão perdendo a vida, assim como os alfarrábios vão perdendo a cor.
Não! Que jamais eu seja assim!
As luzes da casa voltam a acender... Aos poucos tudo volta a ter sentido.
Devo avaliar a magnitude da alvorada que engolfa as noites com as rutilações de um dia que nasce; devo entender que as noites mal dormidas, são grilhões para quem ama e trabalha pelo progresso pessoal e comunitário.
Então, nesta madrugada invulgar e outras que surgirem igualmente apáticas, direi o seguinte:
-“Estes tempos contrários, são bênçãos que vem do céu, a fim de tirar de dentro de mim, as tristezas que se condensam na alma”.