Comprar linguiça

- Vou comprar linguiça na Pipa.

- Claro, é uma boa, disse minha mulher.

- Mas eu vou a pé.

- A pé? Não fica longe. É perigoso ser assaltado.

Nesses tempos de quarentena e cuidados com o coronavírus, sem a pelada no clube, sem academia, caminhada é uma boa pedida. Vou a pé comprar linguiça e já faço um exercício.

Moramos num condomínio, aqui na Vila Nova em Porto Alegre, região com bastante vegetação e menos trânsito. Como é tempo de evitar contatos procuro justamente as ruas e acessos pouco movimentadas para caminhar. Um dia vou para um lado, noutro para o outro. Um dia desço o morro, na volta tenho que subir. Noutro subo e na volta fica mais fácil. E assim vou me exercitando, e pensando a crônica que depois escrevo.

Ontem fui até a ferragem comprar um sifão. Na volta, já no matinho do condomínio, vi um casal de mamangavas, abelha preta grande, zunindo ali chão entre as folhas secas. Deviam estar acasalando, pelo jeito. Antes de eu reagir “o mamangavo” suponho, me atacou bem no tornozelo com uma ferroada. Ainda bem que eu estava de meias e tênis, mesmo assim doeu na hora.

Hoje desci no condomínio e peguei a rua João Passuelo, que liga a avenida Vicente Montégia a estrada Belém Velho. A Passuelo serpenteia mais ou menos acompanhando o Arroio Cavalhada. Como havia chovido pela manhã, de vez em quando ouvia o barulho das águas correndo entre as pedras. Música linda aos ouvidos e raro de se ouvir na cidade grande.

Na caminhada fui apreciando tudo. Grandes árvores, matas, casas humildes e outras mais novas. Alguns casarões coloniais do tempo da primeira colonização italiana do bairro - suponho. Vi portões fechados onde cresciam os cipós. Sinais de abandono. Uma igrejinha da Assembleia de Deus, de madeira com mata-juntas, de um azul claro com enfeites em branco e amarelo, linda. Por óbvio estava fecha, visto que, nestes dias não se permitem reuniões sociais.

Mais para frente avistei um batatal. Mas que batatal viçoso, lindo. Eu como colono adorei a plantação e já me vi colhendo batatas doces para assar no forno. Alemão não pode ver batata assada que saliva. Achei também, como topógrafo que sou, um pequeno círculo vermelho com um prego no meio, pintado no meio-fio de uma esquina, que certamente é a estação de poligonal de algum técnico ou engenheiro dessa área.

Chegando à estrada Belém Velho, deve dar uns 2 a 2,5 quilômetros, cruzei a ponte do arroio Cavalhada, observei as águas correndo e parei para ouvir o chuá-chuá gostoso. Mais uns 500 metros cheguei a La Pipa Nostra, que é como se chama o estabelecimento que vende produtos coloniais. Gamelas, bancos, tábuas de carne, tabuletas diversas, vasos de madeiras bruta, ovos, vinhos, queijos, cachaça, rapadura, biscoitos, chimias, compotas, salame, cuca e linguiça, é claro.

Comprei três linguiças coloniais e meio Kg de queijo mal curado, e me vim por outro caminho. Na ida fotografei várias coisas, mas me esqueci da igrejinha. Planejei fazer isso para volta, mas pelo caminho diferente me esqueci. Vou ter que voltar e fotografar a igrejinha.

Vinha num passo manso admirando a paisagem, cumprimentei algumas pessoas que estranharam a atitude de um caminhante desocupado e esquisito. Eu no caso. Fiz um atalho, gosto de atalhos, sempre se vê algo diferente. Um guaipéca cismou comigo. Deve ter sentido o cheiro do embutido que atiçou a fome do canino. Tive que lutar bravamente para defender a linguiça.

Cheguei em casa com um lindo por de sol. Cansado mas feliz. E o mais importante: - Com a linguiça intacta!

Porto Alegre, 18 de março de 2020.

JORGE LUIZ BLEDOW – E-mail bledow@cpovo.net