Raimunda
Carlos Tito voltava do colégio perto do almoço. Um adolescente cheio de vida, esperanças, sonhos.
Como tantos outros. Estudava num colégio religioso, de salesianos. Com eles aprendeu coisas boas – até hoje as utiliza, o que aprendeu serve-lhe de bússola, orientação moral. E espiritual. Ao lado da casa dele residia um casal, jovens ainda.
Trabalhavam fora os dois. Tiveram de contratar uma empregada, veio do interior, não sei qual cidade.
Raimunda – ela tinha cabelos lisos, compridos, uma morena-clara, sorridente.
Cabocla paraense, humilde. Boa pessoa.
Em casa, vindo das aulas, exausto, Tito ouvia Raimunda cantarolar. Acompanhava as músicas tocadas no rádio. Um radinho de pilha.
Quase todos os dias a rotina era essa, naquele horário.
Aquilo sensibilizava o garoto –e muito.
Carlos Tito, com a mente cheia (das cansativas aulas), acabava hipnotizado com o canto de Raimunda. Não que ela tivesse voz afinada. Não.
Era a espontaneidade. Lhe soava gostoso aquilo. Sim.
Um bálsamo para a mente (e coração) dele. Relaxava, ficava absorto. Gostava ele de ouvir o cantar dela, gostava muito.
O casal mudou-se, foi embora. Raimunda foi junto.
Ficou a lembrança daquele cantarolar em Carlos Tito, nos fins das manhãs.
Ele sentiu a falta daquela pessoa humilde, a doméstica, do interior, pouca importância social – a Raimunda.
Cantora do quintal.
Mas que o hipnotizava, na hora do almoço. E que ficou gravado no coração dele.
Até hoje.