Uma crônica sobre pessoas solitárias demais para serem sinceras

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- Bem minha querida. Eu sei que não sou o único com quem você anda conversando. Nunca tive essa ilusão. Pelo menos antes de você começar a alimentar essa ideia.

- Eu não quero falar sobre isso, ok?

- Ok. Não vou insistir. Mas também não vou ficar por aqui por muito mais tempo. Então acho que um pouco de sinceridade da sua parte cairia bem.

Beatriz mordeu os lábios, desbloqueou o celular e me mostrou uma tela com diversas mensagens não respondidas de outros caras.

- Você deve ser uma pessoa realmente muito solitária, pra precisar desse tipo de atenção. – Falei, olhando pro meu copo de cerveja.

Ela permaneceu calada, com os olhos no chão, enquanto eu falava.

- Enfim. Sinto muito por você, mas sinto muito mais por todos eles. – Continuei.

- Tanto faz o que você sente. – Ela sussurrou, finalmente.

- Pois é. Mas estou falando assim mesmo.

- Nunca imaginei que você fosse do tipo que gosta de chutar quem já está no chão.

- E você acha que é disso que se trata? – Perguntei.

- E o que seria, senão isso?

- Só estava tentando fechar algo na minha cabeça.

- O que isso significa?

- Que nem tudo que reluz é ouro.

- Como é?

- Nada não. Só algo que minha avó dizia.

Beatriz jogou o celular dentro da bolsa, pegou o meu copo e bebeu tudo com um gole só.

- Não suporto quando você fica com esses arrodeios.

Abri um sorriso e enchi novamente o meu copo.

- Olha, Bia. Está tudo certo. Estou bem com tudo isso. Sem espaço pra rancor.

Ela crispou os lábios e me encarou nos olhos pela primeira vez desde que tinha se sentado à minha mesa.

- Que bom então. – Falou visivelmente irritada. – Vou embora. Senão perco a hora do ônibus.

- Boa noite então. – Respondi olhando diretamente para ela.

Bia se levantou, botou a mochila nas costas e virou a esquina.

Ainda era cedo. Eu só estava na segunda cerveja e já tinha saído um pouco do sério.

Peguei meu celular nas mãos e desbloqueei a tela.

Não havia nenhuma mensagem nova.

Olhando pelo lado positivo, não havia ninguém para me fazer de besta também.

Fiz sinal pro dono do espetinho, em que eu estava bebendo, e pedi a terceira cerveja e um espetinho de carne.

Olhei pro céu e vi que estava totalmente nublado, dando quase certeza que iria chover.

- Me traz também uma dose de alcatrão – pedi antes que ele se afastasse.

- Com mel e limão?

- Com mel e limão, por favor – Continuei.

Olhei a hora no celular. 21:30

Ainda era cedo... Ainda tinha bastante espaço para outras escolhas erradas antes que tivesse que voltar para casa.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 17/03/2020
Código do texto: T6889638
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