Escrita curativa

Ainda não são seis horas da manhã e meus olhos buscam algo para ler como se fosse uma necessidade. Abro um livro virtual e sorvo algumas páginas. Logo pensamentos sobre o meu cotidiano brotam em meio as frases que leio e como insistem em dançar sobre o livro, escrevendo outras histórias nas entrelinhas, decido fechar o aplicativo de leitura.
É tão intenso o diálogo mental que busco meditar, serenar-me, esquecer os assuntos que pupulam em minha mente.
O trabalho iminente traz uma agenda extensa para seguir, especialmente nesta semana de trabalho em casa, diante a pandemia do vírus importado. Lembro-me dos meus queridos acima dos cinquenta, do meu irmão doente, da experiência de "alerta de saúde pública" que vivo pela primeira vez. A empresa liberou os empregados para trabalhar em casa e a faculdade da minha filha suspendeu as aulas por duas semanas. Lembro-me do artigo que li ontem sobre o distanciamento social para o achatamento da curva (de contaminação) e logo concluo que o isolamento permite a cura de muitos males... Eu particularmente já venho praticando certo isolamento. Um isolamento num mundo de ideias e reflexões. Sinto-me muitas vezes com grande necessidade de falar menos, ouvir menos, pensar mais. Um pensamento diferente daquele que me acometeu durante a leitura matinal. Um pensamento reflexivo, uma contemplação da vida, da natureza, dos muitos mundos onde vivo. Após esses momentos sinto me curada de muitas patologias que me trazem alguma dor, sobretudo a mágoa.
Recordo acontecimentos da última semana, fatos incompreensíveis sobre ruídos na comunicação. Como somos falíveis em nos comunicar! Em dias de relacionamento por aplicativos, essa virtualidade toda parece complicar ainda mais esses canais onde a vibração da nossa energia, o tom da nossa voz e a emoção surgida em cada conexão, não são propagados com eficácia.E isso pode mudar o curso da história. Pode nos deixar doentes por sentirmos incompreendidos ou incompreensíveis. Pode abrir feridas incuráveis, pode matar sentimentos, pode por em cheque até o amor.
Essa epidemia, ou pandemia, ninguém percebe mas ela é real. Compromete as conexões, banaliza os relacionamentos, adoece as vias por onde passa o "ar" e o "alimento" para a alma; traz graves consequências para a mente que não consegue parar.
Então recorro-me à escrita curativa, tenho a impressão que ela me ajuda a organizar os sentimentos. Aos poucos a superfície do meu lago interno vai serenando e por um momento posso perceber que o reflexo dos pássaros que voam incessantemente cruzando o céu, não são capazes de alterar a sua superfície.
Cláudia Machado
Enviado por Cláudia Machado em 16/03/2020
Reeditado em 01/04/2020
Código do texto: T6888965
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