O IHGP e o escritor Laurentino Gomes
Fui lá fora pegar um vento, a primavera já dá o ar de sua graça com aquela quentura em plenas três horas da tarde. Nos degraus de entrada do prédio, Ana Gondim e Waldir Porfírio compartilhavam a ânsia por um trago de cigarro; na confidencialidade, dividiam o isqueiro como duas abelhinhas na busca do néctar de uma flor. Ao lado, José Nunes tinha o olhar perdido ao longe, ladeira abaixo, parecia até estar vendo o cocuruto das serras de sua amada Serraria. Um carro de churrasquinho, ali na travessa defronte ao Instituto, mais apartado da entrada, despejava generosas camadas de fumaça que, em uma curiosa obediência, contornava em procissão o prédio de esquina e subia a ladeira da Barão do Abiaí, pegando carona na brisa que vem da Lagoa, lá de baixo... É quando uma voz rompe a monotonia: Olha, ele chegou! Um a um os presentes vão sendo avisados.
Olho para o outro lado da rua, a calçada oposta, na sombra que o prédio do INSS oferece nessas tardes, dali aparece o convidado, o escritor Laurentino Gomes, ladeado por Carmen, sua esposa. Olha para os lados, vai atravessando a rua, enquanto isso encara o prédio, vê no alto a sigla IHGP (Instituto Histórico e Geográfico Paraibano), respira fundo em um misto de alívio e alegria. Com um inconfundível sorriso estampado em seu rosto, saúda um a um ali mesmo na entrada até ser recebido pelo Presidente Ramalho Leite, que de imediato, o leva para a Biblioteca Irineu Pinto. No alto, o auditório o aguardara com ansiedade, sócios e sócias do Instituto Histórico, alunos de faculdades, pesquisadores. Muitos com livros à mão para autógrafo, inclusive eu. Após uma breve entrevista – ali mesmo na biblioteca – para a imprensa local, ele subiu as escadas, admirando a arte nas paredes, telas históricas que ornam os ambientes do IHGP e chegou ao auditório.
O motivo da visita foi receber o Diploma de sócio honorário do IHGP, honraria concedida pelo Presidente Ramalho Leite em uma de suas primeiras atividades à frente da casa de memória mais antiga da Paraíba. Waldir Porfírio foi orador na recepção do novo confrade, discurso elegante e histórico. Em seguida, Laurentino toma a tribuna eivado de emoção, agradece a honra de poder integrar uma casa de memória com tanta história e fala de seu amor pela Paraíba, que para ele foi tardio, porém, fulminante.
Nos contou Laurentino que em 12 anos de escritor, jamais teve oportunidade de lançar um livro na Paraíba, por questões quase que inexplicáveis. Apesar de ter lançado livros em todos os estados do nordeste, me refiro a trilogia 1808, 1822 e 1889, cujo recorde de vendas é notório, são mais de dois milhões e meio de exemplares vendidos.
Ano passado, ele conheceu o jornalista Eraldo Luis da Rádio Integração de Guarabira ao ser chamado para uma entrevista, surgiu uma bela amizade que culminou com a vinda de Laurentino à Paraíba para visitar regiões quilombolas, momento em que conhece Caiana dos Crioulos (Alagoa Grande) além de uma gama de professores e pesquisadores, isso ainda em 2018. Resultado de tudo isso, o mais novo livro, ESCRAVIDÃO (vol 1), terá mais lançamentos na Paraíba do que em qualquer outro estado, inclusive o dele próprio, paranaense de Maringá. Além da apresentação feita no IHGP, também lançou à noite na livraria Leitura do Manaíra. Mais dois lançamentos foram agendados, um ocorreu ontem no Festival Literário de Bananeiras e outro será hoje durante a Feira Literária de Areia, justamente na Igreja do Rosário dos Pretos. Amanhã Laurentino será recebido com festa em Caiana dos Crioulos, às 10h da manhã.
Sua fala de aproximadamente vinte e três minutos foram esclarecedoras sobre como a história do Brasil é tecida com agulhas e novelos da escravidão, prática que definiu usos e costumes e maneiras de entender e conceber o mundo. Folheando a obra, nota-se que o mesmo caráter aguçado das narrativas anteriores (a trilogia) está impresso nessa nova pesquisa e de maneira ainda mais forte. Um belo livro reportagem que como bem disse a historiadora Monique Citadino: “Laurentino veio democratizar a História do Brasil”, fazendo com que um país de tão poucos leitores possa se interessar por sua história. Humildemente ele afirma: a partir daí se fisga o leitor para ler nossos clássicos acadêmicos: Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, etc.
Após assinar horas e horas em 12 estados, 26 cidades e 30 eventos, obtive a dedicatória dele. Em sua gentileza confidenciou estar untando mão e punho com pomada de cânfora, a jornada é grande e segue Brasil à fora, mas nada que tire seu marcante e contagiante sorriso que parece mesmo ser a própria estampa em que sua face foi moldada.