MACHADO, MILTON, CLUBE DA ESQUINA, DRUMMOND...
SERÁ ARTE?
Nelson Marzullo Tangerini
O cantor-compositor Milton Nascimento declarou, recentemente, que a atual música brasileira é uma “merda”. Patrimônio da Humanidade, Milton é autor de inúmeros “clássicos” da moderna música popular brasileira, compondo com Fernando Brant ou outros gênios, como Chico Buarque ou Caetano Veloso. O rapazes do Clube da Esquina são um capítulo à parte na MPB. Clube da Esquina era meu disco de cabeceira e muitas vezes levava-o para casa de amigos, onde o ouvíamos intensamente até furar. Tanto que sua capa chegou a ficar em frangalhos. Travessia, de Milton e Brant, é uma das mais lindas melodias que já ouvi. Até recortei a frase “Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver” como um símbolo de minha luta.
Confesso que também não consigo escutar o que a mídia burra impõe ao público de hoje, ainda que jovens músicos e compositores talentosos estejam encontrando todas as portas fechadas. Peço-lhes perdão, desde já, pela minha falta de sensibilidade para entender o que não consegue chegar â minha alma.
Machado de Assis, nosso maior escritor, e maior referência, estava certo quando escreveu, certa vez, que “O artista deve manter seu talento sob rédea curta, pois lapidá-lo exige controle sobre a felicidade favorecida pelo dom”. O Bruxo do Cosme Velho, como se sabe, queimava seus indesejados rascunhos num caldeirão de ferro, o que levou as crianças do bairro, que vigiavam de perto o excêntrico escritor, a chamá-lo desta maneira. Pelo menos é o que contam os seus biógrafos.
Um pintor deve rever sua tela muitas vezes, retocá-la, até entregá-la ao público, no momento exato momento em que ele pense ser ser seu trabalho uma obra de arte.
Euclydes da Cunha, dizem os euclidinistas, retocou, pelo menos, umas cinco vezes o seu genial Os Sertões, em que relata a Guerra de Canudos, no sertão da Bahia.
O mesmo deve acontecer, creio, com compositores e/ou músicos, até que eles pensem ser seus trabalhos, também, obras de arte.
Lá fora, na rua, carros e igrejas nos obrigam, muitas vezes, a ouvir funk, axé, pagode, sertanejo, gospel, entre outros ritmos. E, em muitos casos, percebo que a música não combina com a letra, ou a frase da letra é maior que a frase musical, o que leva o cantor a ser rápido para a letra não ficar fora da melodia. E quando não é isto, ouvimos pornografia e palavrões gratuitos e desnecessários, ou mensagens evangélicas com intuito de catequizar o ouvinte.
Se não consigo engolir esse caldo de falsa música e falsa poesia, muitas vezes com mistura de tu com você, deve ser um defeito meu, por ser um perfeccionista, um literato mal humorado e pessimista.
Sou um crítico de meus próprios textos e nunca estou satisfeito com o que escrevo. E chego a pensar que fui afoito, quando publiquei, com erros e frases pobres ou desgastadas, este ou aquele livro.
Certa vez, em Lisboa, em 2002, pus minha mão direita sobre o fictício túmulo de Camões e pedi, ao mestre, autorização para escrever em língua portuguesa, porque fazer literatura é uma arte, bem como uma responsabilidade sem tamanho.
Lutar com as palavras, como escreveu o modernista mineiro Carlos Drummond de Andrade, se faz necessário. Ou encontraremos pedras em nossos caminhos. Traduzir-se [e aqui me lembro do poeta maranhense Ferreira Gullar], questionar-se, é um excelente exercício, para quem pretende ser chamado de artista.
Entendo, perfeitamente, que há duas gramáticas, no Brasil, a da norma culta, formal, registrada em livros, e a do coloquial, informal, a língua do povo, sem compromisso com a gramática, além de falares regionais. O Imortal Guimarães Rosa, que tinha domínio pleno da norma culta, trouxe, com maestria, o falar do sertão mineiro para a literatura brasileira. É um patrimônio universal o seu livro Grande Sertão Veredas.
Portanto, nem tudo é licença poética; é mesmo agressão e desrespeito à língua.
Talvez vocês digam que estou sendo cítrico, criterioso, normativo ou parnasiano demais, porque não gosto de muita coisa que leio ou ouço.
Escrevo-lhes estas mal traçadas linhas ao som de Tom Jobim e Vinícius de Morais. Que saudade do poetinha!