CASA CAIADA (II)

                 (Pequenas  crônicas  do  cotidiano)

Duas vezes , ou mais, ao ano minha mãe decidia dar um trato nas paredes de nossa casa.
Era o famoso “dia da caiança”.
Para que isso acontecesse, havia um quase ritual nos preparativos.
Eu odiava ! Não vou negar.
Com uns tres dias de antecedência, preparava-se a tina de “tunas”. Tuna, era uma qualidade de cacto, com muito espinho, que colocado de molho na água, desprendia uma espécie de baba, com odor forte, cujo produto resultante era usado para dar fixação à cal.
Cabia à mim, subir a ladeira até a casa de minha avó materna para colher no fundo do quintal a carga espinhosa.
Para isso, utilizava uma carriola de madeira onde o material já vinha livre dos espinhos,ainda que muitos deles acabassem me atingindo, não sem antes receberem um rosário de “lazarentos” e outros palavrões que quase matavam de vergonha minha saudosa vózinha.
[Ao contrário de vó Maria – a paterna – Dona Izaura era meiga, suave, guardava a doçura da professora que um dia foi e por vezes, nos conduzia – aos meus primos e à mim – pelos caminhos da poesia ]
Imagino como sentia-se ouvindo-me aos berros “saudando” os espinhos que me catucavam.
Chegando em casa, preparava a poção mágica que faria a cal aderir à madeira.
No dia da caiança, dona Hilda, já em sua indumentária (calça de meu pai, camisa de manga longa, chapéu de aba larga...com a peculiar sutileza do “grande dia” convidava-me a levantar-se por volta das 5:30 da manhã – quando a olaria nas proximidades urrava em seu apito – para ajuda-la na tarefa de empurrar as tralhas, encaixotar objetos, louças, etc...
Não demorava e as mãos hábeis daquela senhora iam transformando em pombas da paz os cômodos daquela casa que, embora singela, era grande e espaçosa.
Os movimentos das braçadas, sonorizados às canções que entoava que iam de hinos de igreja até modinhas de Belarmino e Gabriela, amenizavam um pouco aquele terremoto que ocorria quando do empilhamento dos móveis e outros objetos.
Uma destas caianças,ocorreu em meados de dezembro e ,segundo suas palavras, fazia parte das “ limpezas e faxinas de natal”.
Tudo devidamente caiado, as janelas delineadas em vermelho, restara apenas a varanda na entrada da casa.
Dona Hilda sempre foi meio excêntrica e por conta disso, resolveu inovar na pintura.Depois de pronta a área da frente, ela apanhou a brocha, mergulhou num balde tinta vermelha bem diluída e foi batendo de leve e espaçadamente em toda a extensão da parede.
[ Visto de longe, lembrava um papel de parede – só de longe rsrs... ]
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Tarde de um dezembro qualquer, inicio dos anos 60.
Um grupo de mulheres, esposas de operários da olaria, que retornava das compras da semana, paradas na estradinha de chão que passava em frente à nossa casa, embasbacadas admiravam a “obra de arte” de dona Hilda.
Uma semana depois, carregando as cestas de ameixas de nosso pomar, descia eu pelo corredor das casinholas da olaria onde vendia minhas frutas.
Para minha surpresa, a maioria delas (já caiadas para o natal) havia recebido o acabamento idêntico àquele dado à nossa varanda.
Variavam as cores: verde, azul, vermelho...Mas as pinceladas eram iguais.
Retornei pelo caminho da mata, todo satisfeito.
Nas mãos o din dim que era fruto de meu trabalho.No peito um certo orgulho em saber que minha mãe estava ditando moda naquele confim de  mundo.

               
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