ROTINA

Eles chegam. São vários e barulhentos. Não conseguem processar uma ordem. Olham, fazem de conta que entenderam, mas continuam a fazer barulho.

Seus responsáveis também se fazem presentes. Não se importam com o fato. Deixam seus amores por ali e vão embora tranquilamente.

Eles continuam suas proezas: reclamam com o colega e do colega, Batem os brinquedos. Falam alto. Muitas vezes palavras desconexas, sem sentido ou fundamento.

No mesmo espaço há mais alguém que tenta intervir, sem sucesso. Olham desconfiados, com os olhos por baixo das sobrancelhas, ressabiados e continuam a algazarra. O mais velho gosta de dar ordens.

- Isso pode! Isso não pode...

Entram e saem a todo instante como se estivessem na varanda da própria casa ou fazendo um piquenique ao ar livre. Resumo da história: Limite é uma palavra desconhecida por eles.

Observo a responsável pelo espaço. Está cabisbaixa aparentando cansaço excessivo. Parece perdida. Provavelmente teve um dia de muito trabalho. O excesso de cansaço físico e mental é latente em seu semblante.

Lá fora prenuncia um temporal. Os olhos da mulher não querem ficar abertos. Resultado coletivo de sono, cansaço e estresse. A chuva passa por perto, a luz pisca em sinal de corte. Um relâmpago corta o céu e a seguir o barulho ensurdecedor de um trovão. Ela fecha os olhos. Parece temer pelo barulho, pelo escuro, pela possibilidade de uma tempestade e pelo local no qual se encontra.

A mulher levanta a cabeça. Parece ouvir falas ao longe. Está atenta. Talvez pessoas passando pela rua. Retornando do trabalho ou mesmo fazendo um passeio noturno.

Barulho de carro também se faz presente. De forma constante colaborando com o barulho do local.

As horas não passam. Parecem se arrastar. Os ponteiros movem-se preguiçosamente como a dizer: estou sem pressa.

O semblante da mulher aparenta estar fervendo por dentro. O barulho parece enlouquecê-la deixando transparecer em sua face. Ela sorri meio à força. Sente dores pela cabeça, pelo corpo e pela alma. É como se o mundo despejasse uma tonelada de peso em seus ombros.

De repente balança a cabeça. É como se voltasse ao tempo presente, ao mundo real. Parecia estar em um mundo paralelo.

Constata que o barulho permanece e que ainda está no mesmo espaço.

Desiste de tentar entender o entorno. Aceita o momento resignadamente.

Assim é mais fácil vencer aquele instante.

NEUZA DRUMOND
Enviado por NEUZA DRUMOND em 12/03/2020
Reeditado em 07/08/2021
Código do texto: T6886533
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