QUARENTENA E FELICIDADE. LOUCURA. VAIDADE.

Vagamos no "sei que nada sei" aflitivo e ansioso, entre salvas de ouro, respostas de prata e conclusões inconclusas. É a vida do Planeta Terra. Do Lago de Como, lugar de encantamento na Itália, ao lado de Milão, Suiça Italiana, uma senhora descreve o contraste de estar em quarentena com a felicidade de ver a família convivendo tão próxima, todo santo dia, ou nos dias que se tornaram santos, em seu lar, com o comensal festejado na famosa e alegre mesa italiana por obra do Senhor Coronavírus. E diz reverente da desnecessidade de desfilar roupas, bolsas de grife nas ruas, carros e outros bens de luxo.Todos reclusos na ambiência e aconchego do amor. Nada valemos mais do que a alegria do sorriso e a felicidade de estar entre os que amamos com saúde; o sacrário do lar.

“Não espereis que, de acordo com o costume dos retóricos vulgares, eu vos dê a minha definição e muito menos a minha divisão. Com efeito, o que é definir? É encerrar a ideia de uma coisa nos seus justos limites. E o que é dividir? É separar uma coisa em suas diversas partes. Ora, nem uma nem outra me convém. Como poderia limitar-me, quando o meu poder se estende a todo o gênero humano?

E, como poderia dividir-me, quando tudo concorre, em geral, para sustentar a minha divindade? Além disso, porque haveria de me pintar como sombra e imagem numa definição quando estou diante dos vossos olhos e me vedes em pessoa?” São as definições do indefinível, como faz Erasmo em “Elogio da Loucura”.

Difícil definir e partir o todo em porções; não são iguais. São medidas sem medidas definíveis.

Quinze bilhões de anos atrás teria surgido o universo.

Como surgiu ainda se escora na compressão e na explosão, conforme nominado de "big bang".

Sabe-se agora com alguma certeza, esses números. Duzentos bilhões de galáxias existem nesse universo como a que se encontra nosso planeta. A nossa é a Via Láctea. Eis a nossa importância. Nesse planeta habitamos, por pouco tempo, nesse "cosmos". Mais de sete bilhões como nós, somos um desses caminhantes. E tornamos muito complexo o que é simples e se esgota rápido, a vida em matéria.

O que somos? Nada mais que a compreensão pura, realista, desses números expressivos para entendermos que devemos ter uma vida útil no sopro dessa passagem, dando importância ao que é importante. Fala-se muito no "carpe diem", no viver o agora. É a demasia da importância de uma realidade virtual. Somos virtuais, pertencemos a esse turbilhão como algo ou alguma coisa sempre, que é e será sempre matéria, uma difícil quantificação de matéria. Por quê? Porque somos energia, quântica, e a energia é o todo, e o todo aconteceu na primeira razão do movimento, e continua todo, chamem do que quiserem, o Primeiro-Movimento.

Parece complexo, mas é simples, nada se movimenta, nada, sem energia, observem, e mais importante, a energia não cessa, se transforma sempre em outra energia. Tudo se aglutina e envolve o movimento. Quem morre não perde o movimento em matéria, outras matérias se movem no morto, principalmente líquidos, e nem os cremados perdem movimento, sobem em gases para a atmosfera e em cinzas são matéria que também será transformada. Água é essência, como nós e o Planeta, a maior parte água, líquido, ensinava Tales de Mileto, o cadáver resseca, os vermes são úmidos.

Perdemos densidade e corpo no outro enfoque chamado "alma", "espírito", "pensamento" que segundo cada crença vai ao encontro de alguma coisa ou alguém ou retornar em outra matéria.

Por isso é importante sermos importantes nessa acanhadíssima existência, importante na caridade, no amor, na solidariedade múltipla em manifestações. Sempre nos voltando para o que seja realmente necessário, o próximo e suas necessidades, amenizando o que está ao nosso alcance, realizando o que seja possível para harmonizar a boa vontade de uns para com os outros, sendo útil.

Mas lá está a vaidade, tão bem definida nessas indefinições que referimos no “Elogio da vaidade” de Machado em suas “Obras Completas”.

“Logo que a Modéstia acabou de falar, com os olhos no chão, a Vaidade empertigou-se e disse:

Damas e cavalheiros, acabais de ouvir a mais chocha de todas as virtudes, a mais peca, a mais estéril de quantas podem reger o coração dos homens; e ides ouvir a mais sublime delas, a mais fecunda, a mais sensível, a que pode dar maior cópia de venturas sem contraste.

Que eu sou a Vaidade, classificada entre os vícios por alguns retóricos de profissão; mas na realidade, a primeira das virtudes. Não olheis para este gorro de guizos, nem para estes punhos carregados de braceletes, nem para estas cores variegadas com que me adorno. Não olheis, digo eu, se tendes o preconceito da Modéstia; mas se o não tendes, reparai bem que estes guizos e tudo mais, longe de ser uma casca ilusória e vã, são a mesma polpa do fruto da sabedoria; e reparai mais que vos chamo a todos, sem os biocos e meneios daquela senhora, minha mana e minha rival.

Digo a todos, porque a todos cobiço, ou sejais formosos como Páris, ou feios como Tersites, gordos como Pança, magros como Quixote, varões e mulheres, grandes e pequenos, verdes e maduros, todos os que compondes este mundo, e haveis de compor o outro; a todos falo, como a galinha fala aos seus pintinhos, quando os convoca à refeição, a saber, com interesse, com graça, com amor. Porque nenhum, ou raro, poderá afirmar que eu o não tenha alçado ou consolado.

Onde é que eu não entro? Onde é que eu não mando alguma coisa? Vou do salão do rico ao albergue do pobre, do palácio ao cortiço, da seda fina e roçagante ao algodão escasso e grosseiro. Faço exceções, é certo (infelizmente!); mas, em geral, tu que possuis, busca-me no encosto da tua otomana, entre as porcelanas da tua baixela, na portinhola da tua carruagem; que digo? busca-me em ti mesmo, nas tuas botas, na tua casaca, no teu bigode; busca-me no teu próprio coração. Tu, que não possuis nada, perscruta bem as dobras da tua estamenha, os recessos da tua velha arca; lá me acharás entre dois vermes famintos; ou ali, ou no fundo dos teus sapatos sem graxa, ou entre os fios da tua grenha sem óleo.

Valeria a pena ter, se eu não realçasse os teres? Foi para escondê-lo ou mostrá-lo, que mandaste vir de tão longe esse vaso opulento? Foi para escondê-lo ou mostrá-lo, que encomendaste à melhor fábrica o tecido que te veste, a safira que te arreia, a carruagem que te leva? Foi para escondê-lo ou mostrá-lo, que ordenaste esse festim babilônico, e pediste ao pomar os melhores vinhos? E tu, que nada tens, por que aplicas o salário de uma semana ao jantar de uma hora, senão porque eu te possuo e te digo que alguma coisa deves parecer melhor do que és na realidade? Por que levas ao teu casamento um coche, tão rico e tão caro, como o do teu opulento vizinho, quando podias ir à igreja com teus pés? Por que compras essa joia e esse chapéu? Por que talhas o teu vestido pelo padrão mais rebuscado, e por que te remiras ao espelho com amor, senão porque eu te consolo da tua miséria e do teu nada, dando-te a troco de um sacrifício grande benefício ainda maior."

Estamos distantes de entendermos a razão de estarmos aqui.

E o que mais agrava, a modéstia que se mostra falsa quando se veste da mais flagrante vaidade. Loucura contextual. "Como poderia limitar-me, quando o meu poder se estende a todo o gênero humano?".

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 10/03/2020
Reeditado em 10/03/2020
Código do texto: T6884998
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