Rina Azariah Barreto Nunes, Professora Rina (singela homenagem)

Pelos fins dos anos 60 e inícios dos 70, a turma de Letras Português/Inglês vivia momentos de expectativa, esperando a primeira aula da disciplina Literatura em Língua Inglesa. Tudo era mistério em torno do que se ouviria e leria das obras, mas a curiosidade maior era, sem dúvida, a história de Romeu e Julieta, de William Shakespeare. Um tanto de estudantes acadêmicos, mas alimentando ilusões relativas a histórias de amor, ainda que de fim trágico. Temíamos que a professora viesse falando inglês fluentemente, o que não nos ajudaria a entender os lances das narrativas ou os versos de poemas como os de Lord Byron. Foi exatamente o que aconteceu.

Falemos um pouco da mestra. Entrou a imperiosa, mas também sorridente, um tipo exótico em tudo, tanto no físico quanto nos trajes. Tinha um rosto marcante, tudo nela era marcante, a boca, o nariz, os olhos grandes e iluminados; o sorriso era desses que se estende de leste a oeste da face, quase alcançando as orelhas. Usava uma saia de linho branco e uma blusa de estampas largas e muito coloridas, combinando o vermelho das flores com o do batom que usava. Nos pés, um scarpin de salto mínimo. A cada aula ela caprichava no look arrojado, o que além de natural, também parecia cuidadosamente elaborado para causar, ela causava. Abandonou a bolsa e o diário de classe sobre o birô e foi inaugurando a aula, ai, meu Deus, falando em inglês, e a gente voando.

Em tudo Rina era distinta de todo e qualquer professor que conhecíamos. Não carregava pilhas de livros porque todo o conhecimento ela detinha naquela cabeça privilegiada e de cabelos revoltos. Para utilizar o quadro, postava-se da direita para a esquerda, a cada frase que dizia rabiscava uma palavra, uma linha reta, um círculo, um desenho qualquer que fosse acompanhando seu raciocínio muito peculiar até esgotar o espaço do objeto didático. E a gente que se virasse para dali compreender algo que nos servisse para a avaliação futura. Era como se perdêssemos tempo, isto foi até que nos habituamos a penetrar no inédito modo de argumentar da professora. O quadro tomava conta da parede da sala, mas ainda era pouco para ela desenhar sua aula e nos matar de agonia.

As primeiras aulas discorreram acerca do poema que narra a história de Beowulf, herói valoroso dos gautas, uma tribo germânica relacionada aos godos, na Suécia. A narrativa em versos tem início quando da viagem desse herói até a Dinamarca com o objetivo de libertar o reino de Hrothgar dos ataques de Grendel, criatura monstruosa. Beowulf, o poema épico mais longo do inglês antigo falado na Inglaterra anglo-saxônica antes da conquista normanda. Tem mais de 3.000 linhas de versos nos quais Beowulf mata Grendel e a mãe desse, vencendo também o dragão que guardava o tesouro.

Para nós, o problema inicial foi aprender a difícil pronúncia do nome desse herói. Só para registrar o nível de dificuldades para alunos ainda verdes no domínio do idioma inglês, vejamos os últimos versos de Beowolf: “Swa begnornodon Geata leode/hlafordes hryre, heorðgeneatas,/cwædon þæt he wære wyruldcyninga/manna mildust ond monðwærust,/leodum liðost ond lofgeornost”. Entenderam alguma passagem? Não? Pois Rina matava com prazer e requinte esse dragão linguístico medieval. No inglês moderno, temos várias versões, mostro agora uma de Robin Katsuya-Corbet: “Thus made their mourning the men of Geatland,/for their hero’s passing his hearth-companions:/quoth that of all the kings of earth,/of men he was mildest and most beloved,/to his kin the kindest, keenest for praise.”

Dando continuidade à ementa da disciplina, a prosa e a poesia eram apresentadas com seus encantos, a origem da língua e do povo inglês, perpassando a poesia satírica de Chaucer, o encantador mundo medieval, o Soneto Elizabetano, e ele, Shakespeare; o belo da poesia dos Cavaleiros e Puritanos e a sátira do século XVIII.

O escritor, filósofo e diplomata inglês Geoffrey Chaucer, nascido em Londres, no ano de 1340, da era medieval, é também considerado o pai da literatura inglesa. Eternizou-se por sua obra Os Contos da Cantuária. Em virtude dessa produção, Chaucer é apontado como um escritor moderno e de linguagem compreensível. E nós, alunos iniciantes, mergulhávamos na romaria dos vinte e nove peregrinos em direção à cidade de Canterbury e ao túmulo de Thomas Becket, chanceler do século XII e arcebispo de Canterbury, seu assassinato resultou em sua canonização em 1173.

Dessa forma, prosseguimos até alcançar o Romantismo inglês e daí por diante, já estávamos acostumados com as aulas de Rina, e não entendíamos mais como o mundo funcionaria sem essa notável mulher.