Sobre Seres Humanos e Cômodas.
Hoje o dia foi cansativo, mas não quero apenas dormir.
Procuro algo que valha à pena para fechar minha jornada diária, já é tarde. Deambulante, fico tentando lembrar se deixei algo para trás, esquecido, o motivo para tal ansiedade.
Aparentemente não esqueci de nada, todas as obrigações cumpridas: a conta de luz foi paga, as compras no mercado foram feitas, no trabalho, deixei tudo organizado para o dia seguinte, o gato alimentado, a casa arrumada na medida do possível. Até sobrou tempo para ir à academia. Mas por que essa sensação de que não valeu inteiramente o dia? Por que este desconforto interno me faz companhia?
Olho para a cômoda à minha frente, lembro de Mário Quintana e seu poema "Dona Cômoda": (...)" Nas gavetas guarda coisas de outros tempos, só para si. (...) Fechada, egoísta."
Tal como eu a Dona Cômoda cumpriu a sua função, e só... nada mais. Poderia ser facilmente substituída por outra cômoda , mais moderna, mais espaçosa, menos gasta...
Será que como a cômoda me acomodei?
Será que guardo em mim, além das coisas urgentes do dia a dia, dos pormenores diários, coisas que realmente são importantes?
Cômodas são substantivos comuns, são seres genéricos, existem aos montes e não importa o modelo, cor, tamanho, são sempre cômodas. Mas eu, sou um ser humano, posso escolher entre a condição de ser substantivo ou verbo.
Eu escolho a segunda opção, escolho ser VERBO!
Quando o sol despontar , não quero que o dia seja só mais um, mas sim o primeiro de todos os outros que me foram concedidos.
E dormirei...
Ciente de que "Ser Humano" é ser Ação neste mundo, é sair da condição de cômoda. É, sobretudo, " DESACOMODAR-SE".