Quem Quer Apito?
Odeio quando me cobram uma resposta para algo que acredito ser errado, um absurdo, algo sem noção.
Alguns homens - os vizinhOs - se reuniram e chegaram a uma conclusão: É preciso urgentemente formar uma REDE de VIZINHOS da nossa rua para garantir segurança.
Vieram à minha casa dois representantes na última terça-feira, bem no dia que o cano de água estourou. Não tinha como eu chegar até o portão com tanta água.
Mesmo com a insistência dos dois, decidi que nem morta iria até o portão. Choveu muito em fevereiro e março chegou chegando trazendo suas águas que acrescentou o risco de ser contaminado com leptospirose. Com toda educação pedi que voltassem no dia seguinte.
Voltaram dois dias depois por volta das 15:00 bem na hora que tomo minha ducha para voltar ao segundo turno de trabalho. Prometi a mim mesma de não deixar a campainha ou o toque do telefone fixo me estressar enquanto estou no banho ou estiver ocupada lavando roupa ou fazendo outra tarefa. Nessa de sair correndo para atender a porta ou telefone pode acabar em tragédia. Não tenho mais a agilidade de uma jovem. A idade as vezes nos prega uma peça, como sentir tontura ao virar ou levantar rapidamente. Portanto, pelo bem da minha própria saúde e bem estar, não atendi a porta.
Sábado de manhã, meu filho me ligou cobrando a minha não participação no tal movimento - REDE de VIZINHOS.
"Justo você Mãe! Não participando de um movimento que busca a segurança no seu bairro!" Fiquei intrigada. "Como ficou sabendo?"
"Recebi uma mensagem no WhatsApp, oras."
Sabia que esse WhatsApp ia fazer a minha pressão subir mais cedo ou mais tarde.
"Pois é, meu filho. Querem fazer essa tal - REDE de VIZINHOS - justamente na nossa rua que fica nem duas quadras da Delegacia de Polícia. Não seria mais sensato ir até a delegacia e cobrar esse serviço ao Senhor Delegado? Afinal, pagamos impostos."
Meu filho respondeu: "Mãe, você quer comprar briga com os vizinhos?"
Não pensei duas vezes: "Só quero que os vizinhos - os homens - que começaram a história toda tenham conhecimento de que esse serviço - Rede de Vizinhos - não é serviço de nenhum cidadão. Quem somos nós para proporcionar segurança para o bairro? É preciso cobrar do delegado e os policiais da delegacia que trabalham logo ali debaixo do nariz de todos."
Meu filho ficou silencioso por um minuto e disse: "Mãe, paga logo os vinte pila. Sem encrenca, por favor."
"Filho, eu não brigo. Apenas procuro entender."
Dei tchau. Nem esperei ele se despedir. Desliguei o celular meio P da vida com tudo.
Mais tarde fui até a casa de um dos responsáveis pela Rede de Vizinhos.
Ele não estava. Tinha ido à um 'Pesque e Pague' com os amigos. Conversei com a esposa que foi logo me dando uma ficha para preencher e assinar. Agradeci e voltei para casa revoltada com essa história toda de segurança terceirizada pelos próprios cidadãos.
Creio que é assim que as coisas começam a desandar. Grupos que tomam decisões que acabam por reduzir a responsabilidade dos órgãos públicos.
Ninguém quer ser índio, mais todo mundo quer ser cacique e apitar.