Das irresponsabilidades (bviw)
Ela vinha passando de carteira em carteira, dando visto nos cadernos do dever que eu não havia feito. Respondia ao por que da pergunta com um silencioso porquê. Bem sabia eu que razões existiam. Cheguei a pensar que a vida seria para mim uma eterna professora de matemática.
Acolhida pela gramática, cresci e virei cumpridora cônscia dos deveres, autoridade máxima sobre meus atos. Não deixava pra amanhã nem uma conta a pagar, nem uma peça de roupa pra lavar, nem um copo sujo em cima da pia. Portanto, lembro-me sem remorso da vergonha por que tantas vezes passei.
Se vez ou outra o cansaço me acriança, não me privo de mimos. No calor, compro sorvete de pistache. No inverno, enrolo a vida num cobertor macio e deixo-a dormir até tarde. Se é moda, não me incomoda um decote rasgado, uma saia meio curta sugerindo despudor. Chegar da rua e deixar os sapatos no meio da sala virou praxe.
O dever de casa só faço quando me dá vontade. Penso que já paguei um preço alto por essa riqueza chamada liberdade.