TRISTEZA

TRISTEZA

Madrugada fria. Praça vazia. Todavia, um banco se mostra ocupado. Uma figura que incita comiseração, vestindo trajes andrajosos, numa postura qual Rodin, parece pedir ao chão que o engula. A seu lado, deitado nesse berço não esplendido, o indefectível cão, com seu olhar submisso parece acreditar em dias melhores. Acompanha-o ainda, um cobertor surrado, um outro acondicionado em uma garrafa plástica arredondada e um saco preto recheado. Súbito levanta-se meio trôpego, põe às costas o saco que tilinta latas, qual cerimônia de casamento, e caminha em direção a manhã que se apresenta. O cão o segue resignado, em seu sem destino, enquanto um bem-te-vi finge que não os vê e canta, despercebido da cena infame. E lá vai ele, provável destino, algum ponto de compra de material a reciclar. Ele, tudo indica, não tem ponto que o recicle, que o reutilize, apenas continuará, provavelmente, reduzido a descarte. Num mundo material ele é imaterial, invisível, menos para o cão.

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 04/03/2020
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