O chazinho da vovó
1. Volto a atravessar as madrugadas perseguido por infames insônias que, não nego, martirizam-me e me preocupam. De ontem para hoje, por exemplo, só consegui dormir por volta das quatro da madruga; e mal.
2. E só peguei no sono depois de beber um insípido chá de Camomila, soporífero recomendado por minha vó Eulina, em algum momento do Século XX.
Dona Eulina, que morreu em agosto de 1964, já bem velhinha, não ia a consultórios médicos. Ela gostava mesmo era da medicina caseira.
3. Para cada doença, ela prescrevia o chá de uma raiz ou da casca desta ou daquela árvore, muitas cultivadas no quintal de minha casa. De repente, dava certo: cu-ra-va!
Os médicos amigos da família encantavam-se com as "receitas" de minha vó. E diziam: "Ela é uma doutora sem anel e sem diploma".
4. Dito isso, volto às minhas malditas insônias. A última foi arrazadora. Para chamar o sono, li de romances a cordéis; ouvi músicas clássica e popular; rolei de um lado para o outro da cama; briguei com meus travesseiros, chegando a esmurrá-los.
5. Irrequieto, fui à janela do meu quarto e olhei demoradamente para o céu. A lua, que na noite anterior fora cheia, começara sua caminhada, rumo à fase seguinte: quarto minguante. Já lhe faltava um pedacinho. Mas continuava exuberante, majestosa...
6. Olhei para minha rua. Só não estava completamente deserta porque dois vira-latas, nos seus trotinhos ritmados, iam metendo o focinho nas latas de lixo que encontravam pela frente. A noite era de coleta; mas o caminhão barulhento da limpeza atrasara.
7. Vendo os dois modestos cachorrinhos, lembrei-me imediatamente de Humberto de Campos (1886-1934), um dos meus autores prediletos.
O Mestre de "Sombras que sofrem" deixou-nos uma soberba crônica sobre os vira-latas que perambulam, sem destino certo, pelas madrugadas citadinas. Chamou-os de "vagabundos noturnos" e disse porquê. Procurem ler. Vale a pena.
Eu também escrevi uma crônica sobre os nossos humildes vira-latas. Onde digo que um deles tornou-se meu amigo: balançava seu rabinho, na porta de minha república, quando eu voltava, alta madrugada, das minhas farras juvenis.
Sob o título "Diletos cães de rua", ela repousa no meu Site. Anotem: www.felipejuca.com.
8. Desiludido, voltei para minha cama xingando - incrível! - Hipnos, o deus do sono. Que sacanagem ele fazia comigo. Devia, sim, socorrer os afogados em malvadas insônias. E era exatamente o meu caso.
9. Foi aí que me lembrei do chá de Camomila, o chazinho da vovó. Bebi. E logo ele tirou-me da torturante agonia que as insônias provocam no cristão. Bebi duas xícaras. Exagerado? Bebi, amigos, e caí no sono...
10. Em tempo. O belo escritor Humberto de Campos, como este escriba, também sofria de insônia. No seu "Diário Secreto" deixou dito o seguinte: "Que inveja eu tenho desses homens que recebem todos os dias, para as lutas da vida, o prêmio do sono!..."
1. Volto a atravessar as madrugadas perseguido por infames insônias que, não nego, martirizam-me e me preocupam. De ontem para hoje, por exemplo, só consegui dormir por volta das quatro da madruga; e mal.
2. E só peguei no sono depois de beber um insípido chá de Camomila, soporífero recomendado por minha vó Eulina, em algum momento do Século XX.
Dona Eulina, que morreu em agosto de 1964, já bem velhinha, não ia a consultórios médicos. Ela gostava mesmo era da medicina caseira.
3. Para cada doença, ela prescrevia o chá de uma raiz ou da casca desta ou daquela árvore, muitas cultivadas no quintal de minha casa. De repente, dava certo: cu-ra-va!
Os médicos amigos da família encantavam-se com as "receitas" de minha vó. E diziam: "Ela é uma doutora sem anel e sem diploma".
4. Dito isso, volto às minhas malditas insônias. A última foi arrazadora. Para chamar o sono, li de romances a cordéis; ouvi músicas clássica e popular; rolei de um lado para o outro da cama; briguei com meus travesseiros, chegando a esmurrá-los.
5. Irrequieto, fui à janela do meu quarto e olhei demoradamente para o céu. A lua, que na noite anterior fora cheia, começara sua caminhada, rumo à fase seguinte: quarto minguante. Já lhe faltava um pedacinho. Mas continuava exuberante, majestosa...
6. Olhei para minha rua. Só não estava completamente deserta porque dois vira-latas, nos seus trotinhos ritmados, iam metendo o focinho nas latas de lixo que encontravam pela frente. A noite era de coleta; mas o caminhão barulhento da limpeza atrasara.
7. Vendo os dois modestos cachorrinhos, lembrei-me imediatamente de Humberto de Campos (1886-1934), um dos meus autores prediletos.
O Mestre de "Sombras que sofrem" deixou-nos uma soberba crônica sobre os vira-latas que perambulam, sem destino certo, pelas madrugadas citadinas. Chamou-os de "vagabundos noturnos" e disse porquê. Procurem ler. Vale a pena.
Eu também escrevi uma crônica sobre os nossos humildes vira-latas. Onde digo que um deles tornou-se meu amigo: balançava seu rabinho, na porta de minha república, quando eu voltava, alta madrugada, das minhas farras juvenis.
Sob o título "Diletos cães de rua", ela repousa no meu Site. Anotem: www.felipejuca.com.
8. Desiludido, voltei para minha cama xingando - incrível! - Hipnos, o deus do sono. Que sacanagem ele fazia comigo. Devia, sim, socorrer os afogados em malvadas insônias. E era exatamente o meu caso.
9. Foi aí que me lembrei do chá de Camomila, o chazinho da vovó. Bebi. E logo ele tirou-me da torturante agonia que as insônias provocam no cristão. Bebi duas xícaras. Exagerado? Bebi, amigos, e caí no sono...
10. Em tempo. O belo escritor Humberto de Campos, como este escriba, também sofria de insônia. No seu "Diário Secreto" deixou dito o seguinte: "Que inveja eu tenho desses homens que recebem todos os dias, para as lutas da vida, o prêmio do sono!..."