Memórias num sonho de goiabada
Liguei o interruptor que me remeteu à remotas lembranças...tento fechar os olhos e me lembrar do seu rosto, mas eu era muito pequena. Você ficou conosco tão pouco tempo, que guardo apenas uma única memória sua. Outras delas, são criadas pela minha mente das histórias que ouvi a seu respeito.
Fim de tarde, mais um dia comum. Fui ao supermercado, após o trabalho e me deparei com o balcão de doces. Me deu aquela súbita vontade de comer algo e percorrendo os olhos, me deparei com o sonho. Parecia apetitoso e escolhi o de sempre - goiabada. Ao chegar em casa e me desfazer das sacolas, quis logo abrir o pacote em que se encontrava uma de minhas guloseimas favoritas. Logo na primeira mordida, entrei na cápsula do tempo e me vi em pé diante de um supermercado, localizado numa avenida movimentada. Olhava fixamente para aquele carrinho de doces, os típicos do final dos anos 80 e início dos anos 90. Ele estava na calçada em frente ao supermercado, onde você sempre ficava. Fui interrompida de minha contemplação por uma doce voz que dizia:
- Escolhe o que você quiser minha filha. - Era ele com sua doce voz, à qual nem sei se era realmente sua voz real - Escolhe o que você quiser que o vô te dá.
Em minha pequenez sabia que aquele gesto era de grande sacrifício, já que os tempos eram difíceis. Me vi então com os pequeninos dedos apontar para aquele pãozinho engraçado com goiabada, coberto com aquele açúcar fininho, tão bonito.
- Quero esse! - disse toda empolgada.
Nem sabia o que de fato era aquilo, nunca havia comido. Ao dar a primeira mordiscada gostei de pronto. Lembro do açúcar fininho grudado nos meus dedos, do sabor daquela goiabada e da massa daquele sonho. Não sei mais o que aconteceu, me lembro apenas daquela cena, daquela figura sem rosto, sem uma voz que realmente seja sua e com uma vaga lembrança das cores de suas roupas. Talvez nem tenha a lembrança real dos fatos mesmo, eu era tão pequena! Mas é a única lembrança que guardo de você. E sou teletransportada aquela cena todas as vezes em que como um sonho. Mas dessa vez foi muito forte e muito intensa. Pareceu que dessa vez ouvi realmente a sua voz, que o vi com aquela camisa polo amarelinha e quase cheguei a ver o seu rosto - talvez uma fantasia da minha mente.
Nesses quase 30 anos que você se foi, às vezes sinto falta do que não vivemos e como algumas coisas poderiam ter sido diferentes se você estivesse aqui. Não dá pra dizer se algo seria diferente realmente. Mas sempre me falam que você era muito bom. Gostaria de tê-lo conhecido melhor, mas não pude.
Lembro da lágrima que escorreu dos meus olhos na última vez que o vi já sem vida. Eu não entendia o que aquilo significava na verdade, que era realmente o último adeus.
E, mesmo não tendo vivido juntos, você vem sempre em meu pensamento me visitar quando compro aquele sonho de goiabada.