Liberdade de dizer o absurdo
Medir o uso da liberdade parece tentar lhe impor limites em relação à nossa ação, e quanto isso é atualmente preciso! Porém, quanto à utilização ou não do absurdo, recomenda-se sua explicação no sentido de que o absurdo, caso venha a ser afirmado, seja aceitável. Nesse sentido, é bom situá-lo, defini-lo, conforme as categorias do conhecimento: religioso-dogmático, filosófico, científico e o da poésis. No dogmático, inexiste liberdade, o adepto deve ser fiel ao dogma ou à doutrina religiosa que escolhe, que professa e na qual acredita, enfim, é uma questão de fé, muitas vezes, não se tolerando até que ela seja discutível. Quanto à Filosofia, o uso da liberdade começa a ser auferido, porque aborda o campo racional ou teórico, do que se aceita ou daquilo que não se aceita. Tratando-se da Ciência, a liberdade, nesse aspecto, perde mais espaço, ela sofre severo limite: o aceitável é aquilo que é provado no campo experimental. Formuladas hipóteses científicas, essas devem passar por rigorosos testes a serem aprovadas e corroboradas. Somente no campo da poésis, a liberdade é sem limites, suas afirmações ou negações, manifestadas na arte, gozam de liberdade de exprimirem o que pretenderem, até às raias do absurdo. Prova disso é que, quanto mais absurdo for, pode ser aceitável e até admirado. Por exemplo, cito, na pintura ou na escultura, as disformes figuras mitológicas de corpo de homem com cabeça de touro (Minotauro); ou o dragão com dezenas cabeças de serpente (Hidra de Lerna). Enfim, como submeter isso à comprovação, onde encontrar tais disparidades com a realidade? Quanto à ciência, se isso fosse hipótese, logo seria rejeitada porque é incompatível com outras aprovadas, já existentes sobre tal assunto, e também sobretudo por ser impossível a sua comprovação. Porém, em se tratando da poésis, tudo que for absurdo é aceitável e até caríssimo no mercado das artes, como o são as pinturas desses monstros nos museus, em galerias ou pinacotecas, e nas ricas lojas de artigos de arte. Em comparação, um livro apresentado como científico, dizendo ser realidade essas ficções imaginárias, citadas como absurdo, seria ele considerado sem valor e jogado ao lixo.
Qualquer famoso historiador, que mentir, terá sua “ciência” levada ao tom de galhofa, de jocosidade; se ele dissesse que Jesus Cristo nasceu no Brasil, seria isso de natureza histórica, e, em relação ao tempo e ao espaço ou à realidade, inaceitável como dado histórico. No entanto, a exemplo: “Jesus nasceu em Belém, / Conseguiu sair dali, / Passou por Tamataí, / Por Guarabira também. / Nessa viage de trem / Foi pará no Entroncamento. / Não encontrando aposento / Dormiu na casa do Cabo. / Comeu cuscus com quiabo, / Diz o Novo Testamento”, são versos aceitáveis porque compõem estrofe da poesia que é apreciada sem contestação, aceitação, por não se tratar de História, mas sim, de um objeto da poésis. Trata-se do absurdo usado na poésis, que chega aos limites do nonsense.
Se tentarmos adequar tais discursos à realidade, então encontraremos o absurdo, críticas inadequações aos fatos e desprezíveis de valor histórico. Mas, em Orlando Tejo, verifica-se que Zé Limeira era independente ou livre dessas exigências, porque ao usar a poésis, como é a Literatura de Cordel, ele gozou de “absoluta liberdade” para rimar o que bem lhe viesse à cabeça, e até para facilitar seus momentos ao improviso. Assim, seu exagero deixou de ser agressão à realidade histórica para ser objeto de agradável e irrefutável leitura. É assim a diferença entre o que é dito com objetividade histórica e a arte que é obra da poésis. Na História, sem liberdade para tanto, o historiador deve ser objetivo, fiel aos fatos, onde, conceitualmente, o absurdo se tornaria inverdade ou mentira. Ao contrário, a poésis dá ao poeta, no caso a Zé Limeira, toda liberdade, a qual se estendeu também a Orlando Tejo para escrever, editar e vender tão cobiçado livro: Zé Limeira, Poeta do Absurdo.