O CUMPRIMENTO DAS FORMIGAS

Acordei cedo. Tomei café. Fiz o chimarrão, peguei o jornal e sentei na varanda. Nada mais prosaico. Manhã de carnaval tranquila, todos ainda dormiam. Hora boa de ler e matutar.

Na página 19 de Zero Hora, jornal aqui de Porto Alegre, leio o artigo do psicanalista e escritor, Celso Gutfreind, filho do grande professor e engenheiro Henrique Gutfreind. A ciência e as palavras, o título. Resumindo ele faz uma análise da afirmação do crítico literário, George Steiner, que previu faz meio século que a ciência é cada vez mais capaz de explicar os fenômenos que acontecem tintim por tintim, em palavras objetivas e praticamente irrefutáveis. E diz mais: faltam, no entanto, subjetividades e humanidades, e conclui: “A luz que temos sobre nossa condição essencial e íntima ainda é concentrada pelo poeta”.

Grande pensamento. Dou pausa e vou ao whatsapp, e recebo a música Chuá-Chuá, interpretada por Elizabete Lacerda. Maravilha!

Volto ao jornal, página 4, leio “Nossos três beijinhos”, do Fabrício Carpinejar. Outra pausa e meus devaneios retornam à entrevista de ontem na GNT, com o cantor Lenine sobre poetas e trovadores analfabetos, onde alguém lembra que a essência da poesia é oral, ou seja, a poesia surgiu antes da palavra escrita. Há concisão, há matemática e há subjetividade nos versos dos trovadores. Não erram a métrica, tem rimas perfeitas e ainda assim, fazem poesia.

Para aliviar o pensamento, novamente vou às redes. Agora a amiga mineira Betânia, me envia a música Paloma, tocada na viola pelo fabuloso Marcus Biancardini. Sensacional é pouco.

Assim já é demais!

Poesia pura acontecendo aqui e agora comigo, numa manhã quente e calma, sem grandes perspectivas, onde simplesmente eu queria tomar um mate lendo o jornal.

Outra pausa aos pensamentos, à leitura. Para descansar corro os olhos no banco e o que vejo?

Formigas passeadeiras, para lá e para cá na borda da madeira. Passeavam felizes indo e vindo, sem destino certo. Assim, apenas para passar o tempo. Ou estariam fazendo cooper?

Fiquei observando em silêncio durante um bom tempo, sem nada pensar, descansando a mente e percebi que ao se cruzarem as formigas se cumprimentavam. Paravam e, após um leve roçar de patas, davam dois beijinhos e seguiam adiante. Sem oralidade.

É de pensar se a poesia, apenas no gesto, não surgiu antes mesmo da oralidade!

Porto Alegre, 25 de fevereiro de 2020.

JORGE LUIZ BLEDOW – E-mail bledow@cpovo.net