Plaquinhas de Carnaval

Antigamente o que mais me atraia no Carnaval eram as marchinhas, à época quase sempre inocentes. Eu, já afeito ao som da Jamaica, em fevereiro deixava-o hibernando e saia para ver o Carnaval de rua e sua liturgia, animado com as marchinhas que o embalavam. Particularmente, adorava a "Cabeleira do Zezé", cujo alguns dos trechos ecoavam assim: "Olha a cabeleira do Zezé / Será que ele é / Será que ele é / Será que ele é bossa nova / Será que ele é Maomé/ ..."; outra marchinha que me abria um suspiro era "Cachaça", que dizia mais ou menos "Você pensa que cachaça é água / Cachaça não é água não / Cachaça vem do alambique / E água vem do ribeirão/ ..." Tinha ainda a "Mamãe eu quero, mamãe eu quero", que era quase sumidade entre os foliões.

Hoje o que mais me atrai no Carnaval, do pouco que sobrou dele, pelo menos do ponto de vista da folia de rua, são as plaquinhas que muitos foliões ostentam no peito. Se antes eu saia à rua para ver as marchinhas de Carnaval passarem, agora vou ver as plaquinhas carnavalescas expostas em seus "outdoores". Não digo que em nosso Carnaval de hoje não há marchinhas nem alegria. Há, mas revestidas de grande dose de modernidade e sofisticação, perderam-se em superficialidade. Talvez não; talvez eu é que esteja viajando, e o Carnaval de hoje, com poucas marchinhas e muitos "hits", ancorado nas exigência da geração XYZ.

Falando assim, até me sinto quase decrépito, perdoai. Essa minha opinião, porém, talvez seja fruto de um ex-folião, acostumado ao ontem e resistente ao progresso e à ordem. Daí me soa tão monótono o "Tudo Ok", eleito pela mídia como "hit" do Carnaval 2020. A letra desse hit começa assim: "Esse é o arrocha-funk ha ha ha da ex que tu perdeu / É o Thiaguinho MT e a a Mila no controle/ ..." Já aí percebo que não está "Tudo Ok", porque sempre associei Carnaval a frevo e esse "arrocha-funk" não sei de onde saiu. Mas a galera que elegeu "Tudo Ok" como hit do Carnaval 2020 parece que cansou de frevo e, embalado pelo progresso, adotou o arrocha-funk como substituto do frevo.

Mais um vez, perdoai. Perdoai, se vou ver o Carnaval de hoje não para curtir o "arrocha-funk", mas para olhar plaquinhas carnavalescas que me parecem guardar consigo as intenções mais urgentes do mundo. Na noite do domingo de Carnaval, na conveniência de um posto de combustíveis, vi uma foliã com uma placa muito explicitamente objetiva, com dizeres em letras grandes e vermelhas: "Pare e me beije". Olhei a placa, ao mesmo tempo que tentei processar a informação. Parei, mas não beijei a foliã, e penso que ela não se ofendeu, pois até me sorriu, como que me desejando feliz Carnaval.

Saí do posto de combustíveis e, pelo caminho até a Basiliano, encontrei outras placas expostas em seus outdoores. Uma, fabricada em papelão e inscrita com batom, a qual tinha como dono um folião de aparente vinte anos, dizia "Solteiro". E pensei tratar-se de redundância, que me parece que no Carnaval todo mundo é solteiro. Agora, para enfatizar a informação,a fim de evidenciar maior clamor, bem que ele poderia colocar uma exclamação logo após "Solteiro", que ficaria assim "Solteiro!", em tom de urgência. Em todo caso, porém, penso que a informação fim estava dada...

Mas não de modo tão visceral quanto a foliã que expunha o "Fica com Deus, porque comigo não vai rolar." Um pretendente ler uma coisa dessas e quase tem um troço. Porque afinal ele foi para a folia com a barba ok, o perfume ok, o hálito ok, a esperança de encontrar um amor ok, e depara-se com um não desses. Sai mais cedo da folia, e se não for afeito nem um deus nem a álcool, a quarta-feira de cinzas é antecipada e inicia-se o ano, de todo nada ok.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 25/02/2020
Reeditado em 25/02/2020
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