Evoluindo ou mal acabados?
O descabido como forma de avanço na sociedade.
Sempre penso que quando tiver filhos estes serão altamente bem educados e disciplinados, focados nos estudos e no conhecimento que podem adquirir, para trabalhar com aquilo que desejarem de maneira íntegra e satisfatória. Isso se estivesse falando de robôs fabricados sob encomenda por pais modernos porém antiquados daqui a 20 anos, talvez. Quando se trata de ser humano sempre é difícil saber quais são as perspectivas e posturas adotadas diante de sua cultura ou quaisquer outras influências. Um dos pensamentos do naturalismo pode trazer um resultado satisfatório na busca por essa compreensão. Se levamos em consideração que o meio, o ambiente no qual um indivíduo está inserido o modifica e interfere nas suas escolhas, como se daria esse processo? Isso se aplicaria a todo indivíduo? E em que momentos ocorre? Durante a vida toda?
Arriscaria a dizer que todas essas questões sejam relativas, pois desde alguns milênios atrás não vivemos apenas para comer ou nos abrigar. Na turbulenta história do homem vão surgindo novas necessidades. Ou nós as criamos. Alimentação. Clima. Saúde. Segurança. Vestuário. Higiene. Educação. Trabalho. Dinheiro. Conforto. Comida boa. Ar-condicionado. Academia. Isolamento. Moda. Vaidade. Mundo digital. Mais trabalho. Mais dinheiro.
Quem vem primeiro? O ovo ou a galinha? O homem cria as condições de vida que o fazem buscar algo além do básico ou o avanço – supostamente apenas tecnológico – das máquinas coloca–o nessas condições? O que de fato se pode ter certeza é que atualmente tudo que é supérfluo vale mais do que realmente precisamos, isso mesmo quando o sabemos. Muitas pessoas não procuram, por exemplo, pela melhor marca de laticínios ou de alimentos frescos optando por marcas locais nessas categorias. Já quando se trata de cuidados pessoais, smartphone ou vestuário quase sempre se procura marcas globais como L’Óreal, Apple e Adidas, nem tanto pelo gosto pessoal, mas pelo uso comum.
Então este é o meio que nos molda? O de gastos inconvenientes e fora da realidade, o de viver aparentemente apesar dos pesares e da crise financeira de cada um? O porcentual de famílias brasileiras com algum tipo de dívida subiu de 59,8% em dezembro de 2018 para 60,1% em janeiro de 2019, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) e no ano passado o cartão de crédito foi mencionado como a principal fonte de dívidas dos brasileiros (78,4%).
Mas o superficial sempre esteve presente no comportamento humano. Nossos ancestrais na Idade da Pedra já tinham inclinação para o lado estético antes mesmo de inventarem a roda. Na Antiguidade Clássica houve a busca pela perfeição formal – mas ainda com predomínio da razão. O mecenato no Renascimento, que começou com Otávio encontrou que uma cidade de tijolos e deixou uma cidade de mármore. Mas pode-se dizer que as preocupações “frívolas” nessas épocas foram o encaixe entre pensamento e contexto histórico, a velha propensão do homem de expressar o que a alma vivencia e absorve. Mas será que estamos expressando nossas experiências no mundo atual de alguma forma? Ou estamos entrando numa espécie de declínio no desenvolvimento cultural e racional assim como aconteceu na Idade Média? Talvez. A diferença é que naquela época a responsável por tal declínio foi a Igreja Católica, hoje é o consumismo.
E tal indisposição para se externar espontaneamente aquilo que absorvemos, já atinge um grande número de crianças que hoje vivem mais nos mesmos ambientes que os adultos, como a internet. É raro ver os pequenos voltando da escola sujos, suados ou com algum hematoma originado de alguma aventura no recreio. As meninas, principalmente, voltam para casa limpinhas e perfumadas porque, supostamente, gastaram o tempo para brincar em conversas sobre maquiagem e o que as blogueiras tem indicado em seus perfis cheios de seguidores. E brincar não era a melhor forma de exteriorizar o que a criança sente? Tornou-se preferível demonstrar “amadurecimento” o mais cedo possível, trocar a arte da infância, o prestígio da inocência por preocupações autodestrutivas e o alcance à informações desnecessárias que não acrescentam em nada ao conhecimento nem instigam a busca por um conteúdo mais íntegro do que memes.
Assim, no presente, não é o meio que nos atinge e nos modifica de tal forma que criamos essa nova aparência como um computador após uma atualização de software. Nós é que, em algum estágio da nossa vida, entramos de cabeça nesse novo mundo – mas não mundo novo –, jogando-nos no precipício do “viver para postar”. Lançamos mão do natural, daquilo que como nós não tem tempo certo para acabar. Nos atualizamos dia a dia, deixando as configurações de fábrica cada vez mais para trás, sem necessariamente estarmos evoluindo, como se corrêssemos numa esteira de academia. Quem sabe só melhoramos 1% desde o Neolítico e com essa reconfiguração lenta demorará certo tempo para sermos perfeitos como desejamos.