As muriçocas voltam ao mar
As águas do Rio Sanhauá fazem bem às muriçocas e agradam sobretudo aos maruins que, mesmo menores, aperreiam muito mais com suas picadas. Miudinhos, silenciosos, sem algum zumbido, alastram-se de Bayeux à Praia do Jacaré, mordendo nossas pernas. As muriçocas, zumbindo ou caladas, voaram em bando, passando pela Lagoa, pela Praça da Independência, para as bandas de Miramar, onde criaram um bloco para adultos, e outro, para jovens e crianças. E lá se instalaram, como ali fosse seu habitat; protegeram-se dos maldosos inseticidas e, depois de tantos carnavais, chupando o sangue dos seresteiros e das seresteiras, nas noites de luar, entraram nas suas veias e aprenderam a bailar pelas ruas, entre namoradas e namorados, com boêmias e boêmios, tornaram-se sem distinção, como aquele fosse o seu próprio sangue. Com hino e estandarte, o Bloco das Muriçocas se impõe no carnaval do Nordeste, sobrevivendo a intempéries, atraindo tanta gente que dá gosto à festa, e iniciando o carnaval da cidade, “de que tanto tem se ocupado a imprensa”.
Das multidões enfurnadas em sua pequena Praça, foliões começaram, de ladeira abaixo, a tomar caminho para o mar. Depois de caminharem distâncias, de vencerem passos e tropeços, decidiram, em 2019, não enfrentar as salgadas ondas e subiram a ladeira de volta ao seu bairro, como aquelas estreitas ruas de Miramar fossem a sua casa. O “ninguém se perde na volta”, de José Américo, também valeu às muriçocas; mesmo elas tendo aguçado faro para descobrir, de longe e na escuridão, qualquer pele nua, especialmente a das delicadas pernas das bailarinas, brilhosas, cheirosas, fazendo daquele Bloco, “O Grande Circo Místico”, do imortal Jorge de Lima, trazendo o poeta fantasiado, a recitar a admiração e o prazer da plateia foliã “bisar coxas, bisar seios, bisar sovacos” (...). Agora, decidiram, em 2020, dançar, pular e cantar não apenas no seu terreiro, mas fazer o tradicional percurso pela Avenida Epitácio Pessoa, povoada de tendas e barracos, em negócio das coisas quentes e geladas aos sedentos caminhantes passistas. O tempo muda os homens e as mulheres, e assim também os costumes... E, nele, suas músicas e suas danças, e assim decidiram voltar ao que eram antes, sambando e, no frevo, pulando a frenética música pernambucana e nordestina. É bom mudar o lugar do prazer, inclusive seus espaços, posições e alegrias.
O Bloco das Muriçocas voltou ao caminho das origens; a valorizar os papangus, as la ursas e os passos do samba e do frevo de ladeira abaixo, em desfile, sem e com espalhafatos nas alegorias, tudo é fantasia. Também é assim que se canta seu movimentado hino, na voz de Fuba, “de Tambaú ao rio Sanhauá”, citando as águas da cidade no Centro Histórico, tornando o Carnaval mais nosso carnaval. Não precisamos ir a outras cidades, estamos assistidos por bons e gostosos blocos: O Anjo Azul, Bloco Pinguim, Acorde Miramar, Bloco dos Atletas, Banho de Cheiro, Bloco da Cueca, Muriçoquinhas, Muriçocas do Miramar, Confete e Serpentina, Jaguaribe Folia, Maluco Beleza, Piratas dos Bancários, Vumbora, Banho de Cheiro, Bloco dos Atletas, Agitada Gang, Tambiá Folia, Boi Vermelho, Bloco Fla da Torre, Virgens de Mangabeira, Peruas de Valentina, Dhixmantelados do Cristo, Piabas, Imprensados, Virgens de Tambaú, Viúvas da Torre, Melhor Idade, Portadores da Folia, 25 Bichos, Viúvas do Bela Vista, Galo do Treze de Maio, Bloco da Saudade, Canto do Tetéu, Jacaré do Castelo, Bloco do Cafuçu, Bom D+ , Vaca Morta, Urso Gay, Cordão do Frevo Rasgado, e o Boi do Bessa, que nos divertem, antes e durante o período momesco. Tudo isso sem as despesas de viajar para outros centros, onde se desperta mais medo do que alegria. Não é o medo que sentíamos, quando crianças, dos horríveis mascarados... Passada a quarta-feira de cinza, sobre aqueles que não se alegram mais e que param de dançar, ocupar-se-á muito pouco a imprensa, para tratar dos acidentes, dos crimes de ciúme, das prisões e das violências que, ao contrário do Carnaval, continuamente nos atormentam.