RIO DE MINHA INFANCIA

RIO DE MINHA INFÂNCIA

Pela rua estreita eu tinha acesso ao rio, que me instruiu ver poesia desde minha infância; sentava-me em sua beira, olhava-o, e sentia-lhe o brio poético, pela poesia que fluía em suas águas mansas. Às vezes, eu tinha vontade de entrar no rio, banhar-me em suas águas barrentas; mas estava alí, sem a permissão de meus pais; tinha fugido de casa por alguns instantes, sem que eles soubessem aonde eu tinha ido; assim, o temor de banhar-me e me afogar (porque não sabia nadar), fazia com que eu ficasse só em sua margem, banhando-me da poesia que vinha dele, juntando na consciência pueril, as impressões poéticas fluviais, que se transformariam em futuros poemas líricos, escritos pelo poeta que eu tenderia a ser. Rio de minha infância. Doce rio de poesia, que se mostrava nos peixes, nas algas, nas canoas, nos pescadores, nas gentes ribeirinhas. Rio que me ensinava a ser poeta, pela beleza singela de suas águas correntes, cuja poesia molhada de lirismo me vinha, para que lhe absorvesse os sentimentos acumulados no rio, e os transformasse em poemas, desde os pueris imaturos, até os que fossem alcançando a maturidade da alma poética. O menino que pensava em ser poeta, gostava de ver o rio. Aprazia-se em ir pela rua estreita para ve-lo. Não ia para banhar-se em suas águas, mas para banhar-se da poesia que emergia dele, num deleite de sonho poético, que tinha amplas possibilidades de tornar-se real, porque aquele menino tão sensivel, via poesia em tudo que fixava o olhar. Eu tinha alguns amiguinhos, que não temiam banhar-se no rio. Já sabiam nadar. Só eu não sabia. Por isso, temia banhar-me no rio. O que eles não sabiam, era do meu pendor em ser poeta. E que a minha presença assídua na beira daquele curso de água doce, era apenas para apreender a bagagem poética fluvial, que vinha em minha direção, e tão fluídica, imergia em minha consciência reflexiva, cujo desejo previsível era ser um futuro artesão de poemas. Eram breves instantes, os que eu ficava na beira do rio de minha infância. Mas o bastante para contemplar e absorver toda a poesia que procedia dele e se doava para mim. Eram várias as imagens poéticas que o rio me oferecia. Muitas vezes elas vinham mais de longe, por onde o rio passava; banhando vales, enseadas, lugarejos, mas nunca se esqueciam de mim; a alma da poesia sabia que eu estava alí, na beira do rio, esperando-a, para ser presenteado com novas imagens, para satisfazer o meu deleite onírico poético. Meus pais jamais souberam dessa minha predileção especial em ir pela rua estreita, mesmo que fosse somente para ficar sentado na beira do rio. Se soubessem, decerto não deixariam eu ir. Tinham medo de eu entrar na água e a fatalidade do afogamento ocorresse. Por não saberem, quando eu ia, não demorava muito; assim, eu podia ir outras vezes, sem que eles sentissem minha falta. E deveras, foram muitas as vezes, durante vários anos, que eu segui pela rua estreita, apenas para que o rio de minha infância me instruísse a ver poesia. Só deixei de ir, a partir dos doze anos, época em que, juntei o hábito da leitura, com o acúmulo das imagens poéticas na consciência artística pré-adolescente, e comecei a escrever os primeiros poemas, com uma tendência irresistível em descrever a natureza, fruto da inspiração previamente conservada em mim, pela contemplação habitual do rio de minha infância.

Adilson Fontoura

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 20/02/2020
Código do texto: T6870740
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