Ali havia um sobrado branco*

Numa destas ruas de Itajaí em que viro todos os dias em direção ao trabalho, olho para o lado e vejo, através do portão de grades de ferro, um terreno murado pelos quatro lados tomado pelo mato verde escuro.

O capim já está bem alto e tentei lembrar o que havia ali.

Ali havia um sobrado branco, destes antigos construídos na década de 70 ou 80. Tinha uma varanda embaixo e janelas no andar superior. Ele ficava deslocado para a esquerda do terreno e a garagem ficava do outro lado, onde hoje existe só o portão. Lembro que havia algum jardim por ali com vasos ou coisa assim.

Pela altura do mato, foi demolido há alguns meses pelo menos. Passo nesta rua todo dia e não tinha reparado, sempre atento ao carro, ao volante e ao trânsito ou escutando uma música. Chocou-me o fato de que alguns metros adiante, após um enorme edifício residencial construído há uns três anos, outra casa jaz na memória de alguns, sobrando o terreno vazio.

Na esquina que antecede esta rua, um terreno onde ficava uma loja de materiais de construção foi completamente murado, sobrando apenas uma portinha de ferro para acesso e este também está vazio.

Provavelmente em outras quadras daquela região a mesma coisa acontece. Casas antigas, muitas delas bonitas e bem cuidadas ou lojas com boa movimentação foram ao chão para dar lugar à especulação imobiliária e a novos edifícios residenciais ou comerciais. O bairro vai perdendo a história e a memória. Moradores antigos vendem suas propriedades porque se não o fizerem serão literalmente emparedados por prédios, perdendo seu quinhão de sol e ventilação.

E de repente vem à minha mente a imagem de uma casinha amarela, com um pequeno quintal cuja grama parece mais sem vida dia-a-dia, onde vive somente um casal de idosos. Ao redor deles espigões de 15 andares de altura. A casa envolta em sombra a maior parte do dia.

Ao ocaso do sol, como que por obra de maldição, a casa amarela torna-se cinza e não se vê mais o casal em seus afazeres externos. Entocam-se na casinha silenciosos, como se entrassem em um túmulo ainda vivos e, portanto, lamentosos da triste realidade que trocou o calor das amizades de muro, destas que pedem uma xícara de açúcar por cima da cerca, pelo frio de dezenas de metros concreto que pairam acima de suas cabeças brancas. Parece uma antecipação da morte.

São males do progresso, desumanidade ou ou dois?

Jefferson Farias

*Publicado originalmente em https://ocronistainutil.wordpress.com/2020/02/20/ali-havia-um-sobrado-branco/