O Traje da Discórdia
Segunda-feira, dia apopléctico, naquela residência onde uma parentalha habita, e qualquer assunto é motivo para tempestades em copo d’água, o café da manhã termina. Carla manda seu filho mais velho á uma loja no centro da cidade. Antes liga para o estabelecimento e pergunta para uma vendedora se o vestido listrado que vira ontem na vitrine ainda está a disposição. Com a resposta positiva ela avisa que o filho irá buscar o traje para devolução, e longe da mãe, irmãs, tia e prima, Carla dá as instruções ao garoto e este parte.
Ao chegar a criança inocente entrega a bolsa com o vestido para a mãe ansiosa em plena cozinha, perante os parentes. No mesmo instante todas depositam a atenção na sacola. Carla enrubra, caminha rápido de encontro a saída, porém para á interrogação da mãe: - O que é isso Carla? Você comprou alguma roupa nova?
Tímida, Carla afirma com a cabeça, e sobre os olhares arrogantes tira o vestido da bolsa e põe sobre a mesa, todas se encantam com a peça. Uma de suas irmãs não agüenta, explode de raiva, larga a faca com a qual picava cenoura e sai a largos passos embravecida. A outra coloca-se a chorar e sai correndo, o menino abandona o ambiente em seguida.
- Viu?! – iniciou sua mãe. – Machucou suas irmãs!
- Já temos tantos problemas – Argumentou a tia. – E você fica nos ferindo com roupas novas.
- mas não é nada de mais eu querer me vestir bem! – Respondeu Carla cheia de coragem.
- Claro protestou a tia. – Você tem de pagar o vestido, pensar nele, usá-lo, lava-lo, contar para as amigas que o comprou.
- Cuidar para que nada encoste enquanto seca. – Continuou a prima. – recolhe-lo do varal, passa-lo, dobra-lo, guarda-lo, tomar cuidado para não desajeita-lo quando for pegar uma roupa próxima do local onde ele está!
Os argumentos eram cabíveis a uma guerra mundial, uma coleção inteira de algum estilista famoso, mas pelo erro do filho teria ainda muito a ouvir e pestanejar.
Sua mãe continuou: - Quando usar terá de tomar cuidado para não mancha-lo, nem amassa-lo, quando sair tem que ter certeza que ninguém estará usando um igual. Terá que se preocupar em usar bolsa, sapatos e acessórios que combinem. Além de ter que ficar ligada na moda para jogar fora, ou dar quando o maldito sair de linha.
Carla estava assustada, em dúvida sobre o traje, estava louca para fugir daquele ninho de cobras, antro de pura inveja. Sua prima não cessou: - terá que benze-lo contra mau olhado, dizer não a quem pedir emprestado, saber se é a roupa ideal para as ocasiões onde deseja ir vestida com ele. Saber onde já foi com ele para não repetir, quando for sair se controlar para não querer usá-lo de novo... Enfim, só vai pensar nele, vai ficar fanática, não vai existir outra coisa no mundo pra você! – Respirou profundamente.
Carla ouviu tudo pacientemente, não acreditou em sequer uma palavra dita pelas “mulheres da sua vida”. Calma, defendeu-se: - Vocês são todas loucas, é só um vestido. Uma peça de roupa, algo morto no meu corpo.
Nenhuma delas desistiria tão fácil: - Foi assim também quando comprou a geladeira, os copos de cristal, o escorredor de louças em inox e o sofá. – Recapitulou a mãe. – Eu, e tenho certeza que todas nesta casa lembram...
Pronto! Chegara o momento em que o motivo da discussão fica de lado e algum parente abre o arquivo da família recordando fatos de passadas décadas, e sua mãe fazia questão de remexer o pretérito graça. Apesar de tudo Carla tinha respeito, e provando o vestido escutou: - ... Você chegava do trabalho, pegava um copo e bebia água gelada, colocava o copo no escorredor e se esparramava no sofá!
- Normal mãe, coisa de quem chega cansada depois de trabalhar o dia inteiro. – Defendeu-se a vítima.
Ao perceber que ela está usando o vestido a tia desmaia, a mãe grita com toda voz: - Tira essa roupa, tira essa roupa gora!
Assustados o pai, o filho mais velho, o caçula e o marido de Carla entram na cozinha, um deles exclama: - O que está acontecendo?
Não há reposta, apenas silêncio, suor, excitação. Quebrando as correntes de sentimento o menino que buscara o vestido pergunta: - Então mãe, vai ficar com o vestido?
Douglas Tedesco 05/2003