INDIOS E PENTES DE MACACO



                   (Da série: Caboclão assumido)

Aprendi desde muito cedo a amar e respeitar a natureza.
Acompanhava minha avó paterna - que dizia trazer sangue de bugre nas veias – em suas longas incursões mata a dentro, em busca de ervas medicinais, folhagens decorativas, traquás (uma espécie de parasita com folhas aveludadas que lembram as folhas de copo de leite) manacás, aleluias ou quaresmeiras,enfim...
No meio da mata fechada ela sentia-se como se estivesse numa suposta aldeia e a dança dos ventos lhe fascinavam.
Em dias chuvosos, então ! Na mata ela ia ao delírio.
Certa ocasião, ventava muito, e estávamos debaixo de árvores tomadas de “pentes de macaco”, uma espécie de concha dupla, muito bem fechada que abre-se apenas quando chega a época de espargir as sementes, que são finas, delicadas , transparentes e assim, carregadas ao longe pelas ventanias.
O que resta de dentro do envólucro, depois que as sementes se vão,pende em muitas cachadas presas por um fino cipó, que indo de encontro aos outros, provoca um ruído choco, misterioso, lembrando um pouco aqueles sinos dos ventos feitos em pedaços de bambus.
Parada, olhar fixo - como que estivesse visualizando algo – com uma voz quase gutural vovó lança a pérola:
- Gosto destes “baruios”, eles me trazem recados de gente e coisas que nem conheço!
Na minha inocência de menino, apenas lhe ouvi sem dar muita atenção à profundidade da divagação da velha senhora.
Hoje, revestido do velho senhor que sou, herdei de minha avó este gosto incontido pela mata, seus segredos, seus encantos.
Dia desses, num domingo de muito vento, embrenhado na mata deparei-me com um cenário quase idêntico àquele dos meus tempos de piá.
O vento arrastava a canção dolente do arvoredo e no pé de pentes de macaco a mesma sonoridade que um dia experimentei.
Parado, instintivamente ,repeti o gesto de vovó e um turbilhão de pensamentos levou-me a aldeias distantes e desconhecidas onde por certo meus ancestrais dançavam celebrando a colheita, a fartura, a pesca, a caça.
Soltos ao vento, os suportes das sementes trouxeram-me lembranças e recados de gente que nunca vi, de mundos que sequer conheço, de caminhos que jamais percorri.
Era, naquele instante, a força do sangue, das minhas raízes, resistindo ao tempo.
Rodopiaram-me as divagações e lembrei-me de que:
Vovó costumava dizer que tinha eu um “beiço de índio” e por essa razão era o seu neto favorito.
Ri de mim mesmo.No céu uma revoada de maritacas pareciam igualmente rir-se de minhas constatações.
Deslizei os dedos um pouco acima do queixo e me auto reconheci um beiçudo mesmo !
Um baita índio ! Ainda que meio estilizado e escovado pelo tempo..
Senti pulsar em meu peito a satisfação de ser:
O índio “preferido de vovó”.

                      Joel  Gomes  Teixeira