A inundação
As águas do rio que pareciam frescas e aconchegantes, onde eu descansei meu corpo e lavei a alma, inundaram minha casa. Com a altura da enchente que levou meus móveis, eletros, discos e livros, fiquei ilhada em cima do carro, que já flutuava e me levava embora. As águas que pareciam calmas, que me alegravam e me faziam sorrir, se revoltaram contra a minha felicidade. Transformaram meu peito em lama, já que a terra que eu tinha não as conteve. Falou-se em um fim, mais uma vez em tom de desagrado. Deu as costas e foi dormir, um sono sem culpa, de quem não tem consciência do desgaste psicológico, da cobrança pelo corpo entregue mesmo cansado e ferido. A casa, cercada e destruida pela água e ele lá dormindo, praticando a apnéia que aprendera durante nosso convívio. Mas o que ficou mesmo marcado foi a frase doentia que li em um comentário antigo: "Que nosso amor seja como o de mãe e filho, para toda a vida". Ao passo que o plano não é amar mas possuir, mesmo em frangalhos e sempre negar o fim eminente.
A fundação foi por água abaixo, depois de anos de construção sem uma base sólida. A casa desabafou e por puro milagre eu não estava mais lá. O rio me levou para longe mas dessa vez pude me salvar. Pois desde criança, em outras águas muito mais agitadas, eu aprendi a nadar.