Um escritor atormentado
O escritor escreveu um conto de quatro mil palavras, de cabo a rabo, em duas horas. Releu-os. Corrigiu-o. Releu-o. Suprimiu-lhe dezenas de palavras e adicionou-lhe centenas de outras palavras. No conto executou inúmeras alterações, conservando, sempre, a idéia original, que muito o agradava. Assim que o deu por definido, largou as folhas sobre a escrivaninha, feliz da vida. E pôs-se a lê-lo, alegre, contente. Encerrada a leitura, feliz com o resultado, lembrou-se de um detalhe que lhe havia escapado. Qual era o título do conto? Procurou por ele, e não o encontrou. Qual título daria ao conto? Pensou. Matutou. Remoeu seus pensamentos. Ruminou suas idéias, e não encontrou um bom título para o seu conto, que muito o agradava. Contrariado, atormentado, guardou o conto numa pasta, da qual ele o tiraria assim que lhe encontrasse um bom título. E na pasta jaz o conto há dois anos.
Dias depois, o escritor criou, enquanto se banhava, sob água fria, que despejava de uma ducha, um título para um conto. Assim que, banhado, e enxugado, retirou-se do banheiro, correu, célere, ao escritório, pegou um lápis e uma folha de sulfite, e nesta anotou o título do conto. Releu-o. Era um bom título para um conto. Mas, e o conto? Sentou-se na cadeira, à escrivaninha, fincou os cotovelos na escrivaninha, olhos fitos na folha de sulfite, coçou a cabeça. Atormentou-se. Não encontrou um conto para aquele título de um conto, título muito bom, que muito o agradava. Enfim, guardou, a contragosto, a folha de sulfite na pasta, da qual não a retirou até hoje.