OS PAPAS, OS POBRES E A POLÍTICA.
“A Igreja é advogada da justiça e dos pobres precisamente ao não identificar-se com os políticos nem com interesses de partidos”. Bento XVI
Essa breve e consciente reflexão da Igreja por um de seus maiores intelectuais, não engloba nenhuma galvanização fundamentalista de cunho político embora excludente, ao contrário, mostra, demonstra e sinaliza para onde deve caminhar a principal função da instituição; assistir, proteger e defender os necessitados. Foi o que fez João Paulo II em Palafox no México, quando excitados padres e mentores do catolicismo esperavam sua fala, "os teólogos da libertação", foi quando disse que a Igreja não precisava de política para ser assistencialista e caridosa, e não deveria apoiar os que não se alinham com a correção.
É um lacre portentoso e significativo de se isolar do mundo das gentes em adesões agregadas às células partidárias, configurando um ponto inquebrantável e único de isenção que nada mais busca que a dignidade do homem na sua vida de provimentos indispensáveis materiais nesta posição. E tem sido assim desde a idade média, quando a temporalidade do poder era maior que a espiritualidade, e esses traços mais humanos então entronizados trouxeram a verdadeira auréola da Igreja Católica, do Jesus de Nazaré, do Cristo Ungido, voltado para a pobreza, confortando e provendo a necessidade. Muitos eventos clericais de nomeada registraram essa posição doutrinária e sua finalidade, a RERUM NOVARUM de Leão XIII, pode-se dizer, é frontispício maior da inauguração da excelência da instituição normatizando o trabalho, sua remuneração condigna e o afastamento do escravismo laboral. Até hoje em genuflexo se reverencia seus escólios.
Nessa frontaria persiste evangelisticamente por onde entrariam os pobres e pela qual não passariam os ricos. Mas todos são iguais desde que ganho o patrimônio com trabalho e honestidade, bom de frisar, e sem que o rico explore o pobre.
Nela não se inscreve aderência à política dos homens, mas aos ensinamentos de Jesus. Os que suprimiram direitos dos necessitados seriam os mais agravados. Um Papa, os Papas, devem se manter naquela linha que não autentique o mal engendrado e diagnosticado; que não chancele soberanias estatais estigmatizadas por gestores,prestigiando os que de suas leis se desviaram sentenciados por tribunais, ainda que como pastor traga conforto, nunca excedendo sua missão de perdoar e reconduzir os afastados da caminhada que deve ser incensurável, sob o crivo e vezo de acenar com interpretações equivocadas.
Pregado na Igreja da Misericórdia, em Lisboa, na Quaresma de 1655, perante D. João IV e altos dignitários (juízes, ministros e conselheiros), Padre Vieira em ousado sermão fala na corrupção daqueles que se utilizavam da máquina pública para enriquecer ilicitamente.
Vieira acrescenta que a Capela Real e não a Igreja da Misericórdia seria o local ideal para aquela pregação, afinal, trataria de assuntos pertinentes à sua Majestade e não à piedade.
E diz:” Levarem os reis consigo ao paraíso os ladrões, não só não é companhia indecente, mas ação tão gloriosa e verdadeiramente real, que com ela coroou e provou o mesmo Cristo a verdade do seu reinado, tanto que admitiu na cruz o título de rei.
Mas o que vemos praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levaram consigo os ladrões ao paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno.”
E pontifica a entender ladrões príncipes e governantes, sic: "são companheiros dos ladrões porque dissimulam; são companheiros dos ladrões por que os consentem; são companheiros dos ladrões porque lhes dão postos e os poderes; são companheiros dos ladrões porque talvez os defendem, e são, finalmente, seus companheiros porque os acompanham, e hão de acompanhar ao Inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo”.
“A salvação não pode entrar sem se perdoar o pecado, e o pecado não se perdoa sem se restituir o roubado: Non dimittitur peccatum nisi restituatur ablatum.”
"Se o rei de Macedônia, ou de qualquer outro fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome."
E ajunta: "Quando li isto em Sêneca não me admirei tanto de que um estoico se atrevesse uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero. O que mais me admirou e quase envergonhou, foi que os nosso oradores evangélicos em tempo de príncipes católicos e timoratos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina.”
“O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta esfera; os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue muito bem São Basílio Magno. Não só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.”
Já naqueles idos proféticos mostra o seu claro entendimento sobre os problemas do Brasil, ataca e critica aqueles que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente. Denuncia escândalos no governo, riquezas ilícitas, venalidades de gestões fraudulentas e, indignado, a desproporcionalidade das punições, com a exceção óbvia dos mandatários do século 17.
Vieira usou o púlpito como trombeta a clamar pelas aspirações públicas, como uma tribuna política. Se os Papas assim não podem se conduzir em retóricas, devem saber administrar agendas que não gerem dúvidas ou possibilitem engenhos e urdiduras.
Assim devem se conduzir os Papas, como enfatizado pelo maior orador sacro e intelectual católico respeitado dos tempos. Não confundirem para não se estigmatizarem.