O DIA QUE CONHECI A MAIOR DOR

Não era nem 22 horas da noite de 12/01/2011, quando recebi a triste noticia de que meu filho Klewerton havia falecido. Ele tinha 31 anos, era um jovem alegre e cheio de vida e de planos. Como ele se intitulava “era um eterno sonhador”...um filho e irmão muito amado. Infelizmente, ele teve sua vida ceifada e deixou seus pais e irmãos, seu avôs, tios e primos, e a todos que o conheciam perplexos e de corações partidos. Para MIM, sua mãe, iniciou-se um longo e penoso caminho de luto para trilhar.

Todas as quartas -feiras à noite relembro angustiada aquela noite às 21:00 horas quando recebi um telefonema de um policial perguntando se era da casa de Klewerton Cavalcante. Desliguei, pois pensei que fosse um trote. Logo em seguida ligaram novamente, e fazem a mesma pergunta. Eu respondi: sim, sou a mãe dele. O policial me disse então: é para ligar para esse número (0000) pois aconteceu algo grave com Klewerton. Sem saber o que pensar, passei o telefone para meu marido e fui tentar falar com meu filho pelo celular. Mas, seu celular estava em caixa postal. Liguei para sua namorada, mas o telefone também não atendeu. Então pensei: será uma brincadeira de mau-gosto? Enquanto isso meu marido conversava apreensivo com outro policial, já pelo número que lhe haviam informado. Então comecei a ficar angustiada. Fazia apenas 60 minutos que meu filho havia saído de casa para ir à casa de sua namorada, próximo à passarela de Neópolis. Pelas perguntas que ouvi meu marido fazer ao seu interlocutor (um policial) fiquei sabendo ou imaginando haver se tratado de um acidente, e meu filho havia saído muito machucado.

Mas, pobre de mim. Meu filho havia sido barbaramente assassinado. A perícia do ITEP informou (ainda in-loco) que provavelmente o(s)assassino(s) haviam deflagrado os tiros à queima-roupa e deveriam estar com ele dentro do carro...Isto eu só vim saber no velório, pois até então continuava pensando ter sido acidente.

O momento da notícia fatal foi algo indescritível. Foi como se estivessem arrancando um órgão do meu corpo ...foi como um parto doloroso de um recém-nascido sem vida... eu olhava para a cama de Nenem, e o espanto da dor tomou conta de mim, chamei Nenem, Nenem, me joguei na cama e me enrolei com o lençol dele, chorei, chorei um choro doido, que me asfixiava.

Mas era como se aquela situação não me dissesse respeito. Parecia que eu estava sendo aquecida. De repente um calor tomou conta do mim. Antes de receber a notícia, eu sentia como se eu não estivesse ali, sentia uma frieza em todo o corpo, em especial nas mãos e nos pés.

Eu não queria acreditar...seu calção vermelho ainda estava molhado no cabide do banheiro, pois às 19:30 daquela noite, havia chegado da natação. Suas palavras falando comigo sobre uns pneus novos que seu pai havia comprado para o carro dele ainda ressoavam nos meus ouvidos. Ele, Klewerton, estava alegre com a expectativa de ser selecionado para um concurso em RECIFE, para bibliotecário-arquivista da Marinha. E também aguardava a convocação para compor o quadro de homens do corpo de bombeiros...Tinha muitos planos, muitos sonhos a realizar...desejava se casar, ter filhos... E hoje o que me resta do meu filho, são lembranças de seu sorriso, da sua voz, de suas brincadeiras, de seu cuidado e carinho para comigo, para com sua irmã, seus sobrinhos e para com meu pai...

Eu lembro que ao escutar a notícia, senti como se o meu eu se esvaísse, como se apenas minha mente funcionasse não querendo admitir aquele fato. Meu intelecto portou-se como um artista representando que tudo estava bem, porém meu corpo dava sinais de que aquilo que eu não queria acreditar era verdade.

Antes da notícia fatal, minha mente já se ocupava em disfarçar aquilo que minha intuição materna já me revelava. Parentes e amigos chegavam em minha casa, e eu tranquilizando a todos, que tudo estava bem, que Nenem sofrera apenas um acidente...As pessoas constrangidas, os primos passaram mal e eu ali firme: não é nada, Neném está bem. Na verdade eu queria convencer a mim mesma, de que tudo estava bem. Eu procurei ocupar meu pensamento, não deixando espaço para raciocinar sobre o que estava acontecendo...Meu intelecto assumiu o papel de dissimulador, disfarçando aquela realidade para que assim, eu pudesse suportá-la.

Nove anos já se passaram desde que tudo isso aconteceu. É muito difícil sintetizar como foram esses dias, e como estou superando. Mas gostaria de dividir algumas reflexões com aqueles que passam por uma grande perda:

No começo, eu senti como se houvesse sido levada para outra dimensão. Não me reconhecia mais como eu. Não tinha vontade própria nem autonomia. Hoje eu sei que nada nos prepara para encarar a morte tão de perto, mas a verdade é que eu me senti sozinha e inadequada nos meus 59 anos. Não encontrava muitas pessoas para conversar sobre o que eu estava sentindo. Parece que tinham medo de falar sobre a perda de um filho. Eu sentia que tudo que as pessoas queriam, em especial minha família, era me ver bem de novo. Todos queriam que eu fosse forte, mas eu sabia que eu precisaria lidar com as minhas dores antes de seguir adiante.

Eu fiz terapia do luto, e descobri algumas estratégias me ajudaram muito, como escrever sobre meu filho. De qualquer maneira, apesar da ajuda que recebi de outras pessoas, aos poucos fui entendendo, que ficar bem de novo iria depender só de mim.

Passei a prestar mais atenção nos problemas e dores de outras pessoas. Não sei como isso aconteceu, mas naturalmente me deparava com situações parecidas com aquela que eu estava vivendo. Aquilo me consolava pois percebia que eu não era a única a perder um filho. Não podia ser egoísta pensando que só eu sofria. Então, percebi que tinha adquirido empatia por pessoas que estavam vivenciando o luto, em especial pelas mães enlutadas.

Não foi fácil, mas ter tido contato com a morte de meu filho me transformou radicalmente. Aprendi a aceitar os momentos ruins e transformar o desespero em algo novo. Sou grata à pessoas que se fizeram companheiras e me ajudaram enxergar motivos para reconstruir meu caminho rumo ao fim da minha jornada. Sou grata a mim mesma, por ter encontrado tanta coragem e resiliência dentro de mim. Sou grata por não ter permitido, que diante das circunstâncias da perda do meu filho, sentimentos de ódio ou revolta se apossassem de mim. Posso dizer, que o tempo ameniza a dor, mas é a gente que ressignifica a vida!

Pequeno Príncipe
Enviado por Pequeno Príncipe em 09/02/2020
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