O outro

O outro é aquele diferente. É exótico. Feio mesmo. O outro insiste em ser de um jeito que não é o meu. Eu sou tão assim... É tão óbvio. O outro, não. É direita, esquerda, centro. Norte e sul. Tem na pele essa cor que não é a minha; um cabelo diferente do meu. O outro é gordo, magro demais, bonito demais, feioso. O outro me irrita. Por que não Eu? Por que não um mundo caixinha onde todos os humanos são Eu? Ah, eu sei tanto... Eu estudo. Eu Google. O outro? Idiota. Manipulado.

Imagino eu em vários numa caixinha mundo onde nada é questionado. Imagino e gosto. Imagino e sei que seria a solução para a humanidade e seus males.

O outro nem cristão é! O outro só fala de bíblia. Fundamentalista. Bate tambor. Espírita. Sabe nada de coisa alguma. Ateu! Hipócrita! Enquanto eu, axé, Paz do Senhor, namastê. Tem melhor?

Mas o outro insiste em ser de um jeito que não é meu. Quando vejo sua magreza, enxergo meu corpo gordo. Sua pele marrom, diz que me falta melanina. Suas ideias questionam as minhas. Como assim não tenho unanimidade? No mundo caixinha, o outro oferece opções a mim. O outro pode ser escolhido enquanto eu preterido, largado na minha perfeição. Não aceito dividir meu mundo caixinha com outros senão eu. Os outros são a escória, o erro. Pecado. Eu sou todo certeza. Eu sou ciência, religião, sabedoria, fé. Enquanto o outro é apenas humano. Irremediavelmente humano.

Déda Lizz
Enviado por Déda Lizz em 07/02/2020
Código do texto: T6860675
Classificação de conteúdo: seguro