O dia em que senti vergonha na igreja

O DIA EM QUE SENTI VERGONHA NA IGREJA
Miguel Carqueija

Faz muito tempo que isso aconteceu e até já esqueci o nome do padre em questão e nem frequento mais a mesma igreja. Mesmo que me lembrasse, porém, não iria revelar o nome, não seria legal.
Foi durante a Missa pelo Dia de Reis, a Epifania. Quando chegou a hora do sermão, o celebrante cismou de fazer uma dissertação astronômica para explicar sobre a Estrela de Belém. E saiu-se com essa “pérola”:
“As estrelas não têm luz própria; elas são iluminadas pelo Sol.”
Vocês não podem imaginar a vergonha que eu senti naquela hora. Agravada pelo fato, que eu enxerguei de imediato, que muitas pessoas ali presentes (provavelmente a maior parte) sabiam que ele dissera uma asneira.
Se houvesse um buraco no chão eu seria capaz de entrar nele.
Meu Deus, devo ter pensado na hora. Esse assunto a gente aprende na escola. Pelo menos, no meu tempo era assim. O Sol é uma estrela, só nos parece especial (e é para nós) por ser a nossa estrela, em torno do qual a Terra gira, bem como os demais corpos de nosso Sistema Solar.
Todas as estrelas possuem luz própria, senão nem seriam estrelas. Cada estrela do firmamento é um sol. Apenas, pelas distâncias imensas, elas parecem simples pontos de luz, porém muitas são bem maiores que o Sol. Cada estrela é um globo de hidrogênio (matéria estelar primordial) submetido a combustão nuclear.
Alguém pode ponderar que um padre não precisa conhecer Astronomia. Ora bem: para ser padre (e isso vale para todos) é preciso possuir nível universitário, pois é obrigatório o estudo de Filosofia e Teologia. Fora isso, inúmeros sacerdotes formam-se em outras matérias e há um bom número de clérigos astrônomos e físicos, alguns famosos como Copérnico, Moreux e Lemaitre.
É claro que o padre daquela missa não era astrônomo. Ele nem era o pároco, mas o auxiliar. Mesmo assim ele poderia muito bem saber um detalhe tão banal, que eu conhecia desde criança, qual seja o caráter luminoso e ígneo de todas as estrelas. E como elas se espalham por todo o universo conhecido, como a sua luminosidade poderia ser reflexo de nosso modesto sol? Isso é falta de uma razoável cultura geral, ao alcance de qualquer pessoa que tenha algum estudo.
Ainda pior é ter relacionado com o assunto a Estrela Guia. Ora, muita gente não faz essa relação, mas é impossível que a Estrela Guia fosse um corpo astronômico. Daí o erro espantoso de Arthur C. Clarke, de resto um autor respeitável, em procurar explicar o acontecimento com uma supernova que se calcula ter aparecido pela época de Cristo.
Um corpo astronômico extra-Sistema Solar não é visto em movimento por causa das distâncias inimagináveis. Depois do Sol, que fica a míseros minutos-luz, a estrela mais próxima encontra-se a mais de 4 anos-luz, e a luz viaja a aproximadamente 300.000 quilômetros por segundo, então imaginem quão longe estão esses corpos, não esqueçam que existem estrelas a milhares ou milhões de anos-luz. O universo é uma coisa inconcebível. Portanto, nunca uma verdadeira estrela poderia indicar uma minúscula manjedoura aqui na Terra. Mesmo que a estrela miraculosamente se movesse de forma visível isso não bastaria.
É óbvio portanto que não se tratava de corpo astronômico: movia-se na atmosfera terrestre. A Estrela Guia provavelmente era um anjo luminoso, aliás sabemos que anjos se manifestaram naquela noite abençoada a pastores de Belém, para que fossem adorar o Menino.
Então é isso. Faltou-me coragem para procurar o padre pessoalmente e alertá-lo sobre a tolice “ensinada” em sua homilia. Nem sei se ele receberia bem a correção.
Mas, fiquei meio traumatizado e posteriormente confidenciei o ocorrido a uma amiga. E aí foi pior ainda. Quando comentei com ela o erro do sacerdote, em dizer que estrelas não possuem luz própria, ela fez a seguinte pergunta:
— Mas e a Lua?

Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 2020.



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