MEUS PETS E EU.

Quem me vê hoje assim, sem um cão para fazer arrelia na casa, sem um gato folgado para abalroar as pernas, sem sequer um papagaio que diga algumas inconveniências, vai pensar que sou do tipo “urbanoide”, avesso aos animais. Ledo engano!

Menino do campo, o que não faltava em casa era contato com os animais. Alguns, com efeito, ainda trago na memória. Certa vez, estava na bica com minha irmã Ivone quando ela disse:

- Olha Nem, tá ouvindo? Espichei as orelhas! Dava para ouvir um pio desesperado de uma avezinha no meio do carriçal. Depois de limpo, cuidado e bem alimentado ele ganhou plumagem e andava comigo pra cima e pra baixo nas minhas atividades. Decidi que ia fazer dele um galo tão feroz quanto o vermelhinho do meu avô “Bembão”. Mas..., coisas ruins podem acontecer aos galináceos do campo. Certa manhã chuvosa, não houve lida no cafezal e eu o coloquei para na cama para se aquecer ao lado do meu irmão Paulo que dormia profundamente. Quando dei fé, meu franguinho era só uma plasta informe.

Houve também o “nego” meu chupim. Eu ainda não disse, mas meu irmão Paulo era um verdadeiro “Sniper”. Quase todo dia voltava pra casa com uma capanga cheia de aves que abatia enquanto laborava. Certa vez encontrei um chupim agonizando no fundo da bolsa. Tratei-o com todo cuidado, coloquei água fria sob sua cabeça, depositei-o em uma gaiola. Ninguém dava nada por ele, mas foi se recuperando. Todo dia o obsequiava com frutas, verduras , cereais, e de quando em quando o regalava com algumas minhocas. Aos poucos sua asa foi cicatrizando e ele começou a arriscar alguns voos curtos. Éramos inseparáveis. Comia na mão e deixava acariciar sua plumagem negra azulada. Quando sarou de vez, passava o dia fora e voltava à tarde para fazer as refeições na gaiola. Mas...,coisas ruins acontecem com chupins que dão mole. Como disse, meu irmão Paulo era um verdadeiro Sniper. Varejou-lhe um balaço fatal. Eu o reconheci ao longe pelas asas.

- Chupim é tudo igual Nem! À noite ele volta. Qual nada! Eu sabia! Era o “meu” chupin! Com muito pesar sepultei-o pomar aos fundos da casa.

Depois veio o Piá. Meu Deus, desta vez não foi fácil. O Piá foi um leitãozinho malhado da raça Piau que nasceu mirradinho. Ninguém dizia que se criava. A ninhada foi tão boa que havia mais leitões do que tetas para amamenta-los. E assim, o Piá foi ficando franzino e já se considerava a possibilidade de encaminhá-lo ao tacho de sabão. Evidentemente se viesse a óbito. Nada se perde tudo se aproveita na cultura do campo. Foi então que intercedi por ele. Consegui leva-lo para casa e cuidar dele como se fosse um cãozinho. Ensinei a ele alguns truques. Era esperto. Aprendeu a atender comandos, só faltava abanar o rabinho. Andava em um asseio que dava gosto ver. Era minha companhia constante. Mas..., coisas ruins acontecem aos suínos que não guardam o seu estado original. Em pouco tempo ele encorpou, e estava mais viçoso que todos os seus irmãos. Meu pai ajeitou o tacho preparou o jirau, amolou o punhal, e ele na maior inocência. Protestei, chorei, insisti. Não teve jeito. Precisávamos de banha. Era a cultura do campo. Tive que me ausentar para não sentir o drama. Andei bem amuado por alguns dias e não quis comer carne. Todavia, meu irmão “Chinho”, todo consternado me ofereceu uma bandeja com pururuca. Quando aceitei ele fez uma farra danada e tripudiou de minha dor.

Houve ainda um pombo que levei para cidade quando mudamos. Ele serviu apenas para alimentar o ego e a pança do gato malandro da Eliana, filha de Dona Maria Poyato, nossa vizinha dos fundos. Desde então, eu vivia a espera de uma boa oportunidade para fazer o malandro engolir umas duas os três bolinhas de gude tal qual o “Zezé” havia feito.*

Por fim veio o Duque. Não era propriamente meu. Ele era nosso. Nosso amigo, nosso vigia noturno, nosso caçador e meu companheiro inseparável das horas livres. O Duque era especial. Cada vez que o Revendo Jofre Botão aparecia em casa era um frango que ia para a panela. Brincámos dizendo que quando o galo via o velho jipe dobrando a curva e passando sob a ponte, ele estufava o peito e cantava: “chegouominissssssssssssstroooo” e os frangos caiam na quiçaça. Era só pegar um sabugo e atirar sobre o frango mais taludo e o resto era com o Duque. Aquilo era uma sentença de morte. Quando mudamos para a cidade ele ficou meio desajustado. Territorialista por natureza perseguia ciclistas e automóveis. Impôs respeito na vizinhança. Ninguém tirava farinha com ele não. Mas..., coisas ruins acontecem com cães que migram da roça para a cidade. Sofreu um atropelamento e morreu ganindo em meus braços. Eu o abracei e o acariciava tentando mitigar sua dor. Aos poucos seu lamento foi diminuindo e a luz de seus olhos se apagando. Começou a aglomerar pessoas e nós ali abraçados no passeio. Depois disso, nunca mais que tive um pet.

*Zezé – Personagem biográfico de José Mauro de Vasconcelos em “Meu pé de Laranja Lima”

13/01/2020

JADILSON
Enviado por JADILSON em 07/02/2020
Código do texto: T6860576
Classificação de conteúdo: seguro