As garças que embelezam as manhãs
Há algum tempo, no alvorecer do dia, como prenúncio do que será a manhã, um bando de umas oito garças costuma passar sobre o prédio onde estamos morando, vindo das águas e do manguezal da Lagoa da Jansen. Elas adejam em formação, umas próximas das outras, sem líder, no mesmo nível de altura - talvez com as asas umedecidas de orvalho, porque é de orvalho a madrugada inteira - e seguem nos rumos do Rio Anil.
Assim, elas se vão para não retornar, no curso da manhã. E o dia, que assim alvorece, logo vai se instalando sobre os telhados, as árvores, as ruas. Abraça o canto dos pequenos pássaros, que o homenageiam, com gorjeios repetidos, e vão se escondendo nos galhos das árvores, como se quisessem festejar no anonimato.
Dura pouco esse espetáculo matinal. Dura pouco o encanto da cena que as alvas garças nos proporcionam, contrastando com a penumbra da manhã sonolenta, que vai abrindo seus olhos, bocejando orvalho, e nos deixa extasiados, esperando mais.
Quem primeiro viu foi meu amor, em seu retiro matinal, para agradecer a chegada do novo dia, e do dia que passou em nossas vidas, registrando uma estória de singeleza, de cumplicidade, de mútuo respeito; cultivando o amor que nos alimenta, e fortalece nosso menino, com sete anos de vida, descobrindo o mundo em que estamos vivendo.
Na manhã seguinte, estava ao seu lado, na janela principal do apartamento, às 5h40min da manhã, à espera de ver o espetáculo que ela, com tanta emoção me relatara. E ali ficamos, ungidos por preces e espera, vendo o alvorecer do dia, ouvindo o canto dos primeiros pássaros, já despertados àquela hora da madrugada.
Não esperamos muito. Na hora do dia anterior, as garças vieram, interrompendo nossa espera. Passaram sobre o prédio, sobre nossas cabeças e se foram, nos rumos do mesmo rio, até onde nossos olhos puderam segui-las.
Assim, tornou-se um espetáculo matinal, esperado por nós, no horário em que costumamos acordar, nos dias de aulas de nosso filho. Uns dias com mais, outros dias com menos garças, mas com o mesmo encanto e magia, de uma estrela que despenca do céu a olhos vistos, e se perde diante de nossa incredulidade.
Em mim, no entanto, além da beleza daquele espetáculo, ficam indagações sobre as protagonistas e suas rotinas naturais. De onde provém aquele pequeno bando de garças? Que ordem, instintiva, determina o comportamento que exibem, diante de nós? Para aonde vão, quando se perdem dos nossos olhos? O que fazem, em seu local de destino? A que horas costumam voltar, para onde dormem?
Morando ao lado da lagoa, pela trajetória que descrevem com seus voos, creio que emergem dos manguezais, onde, provavelmente, dormem protegidas pelas folhagens, pelo clima ameno que as águas proporcionam àquele bioma. Ali se fortalecem, pescando e se alimentando, quando necessitadas.
De manhã, com energias recompostas, voam para outras paragens, em busca de novos alimentos; de acasalamentos, talvez e, assim, vão cumprindo o ciclo de suas vidas temporais, enquanto encantam aqueles que têm oportunidade de vê-las, elegantes, existindo e voando, nos instantes efêmeros de toda a ordem universal.
Uma manhã, com ou sem garças, não acontece igual outra manhã. Não tem os mesmos tons de alvorecer, as mesmas formas, as mesmas emoções, nem as mesmas pessoas, para vê-las, senti-las e registrá-las. Do mesmo modo, o dia que amanhece, e vai cumprindo suas horas, não acontece da mesma forma do dia anterior.
Tudo é centelha, fagulha temporal, na natureza, o que leva ao inusitado, sempre, quando falamos de cenários, pessoas, sentimentos, ações, registros. Tudo é vago e vão. Nesse espaço do vago e do vão vamos passando, todos nós, com interesses e indiferenças. Somos, todos, dispensáveis!
Como é sublime poder estar vivo! Poder testemunhar a beleza fugaz, de todas as criações divinas, sabendo ser uma delas; única, com a peculiaridade de poder raciocinar, sentir e poder registrar, como artista, como escritor, as maravilhas que a vida nos oferece e nos ensina. 2016