Um jovem velho
Há oitenta e sete anos eu não tinha este rosto de hoje: calmo, triste, escanifrado. Não tinha olhos tão inexpressivos: vazios, tristes apagados... tampouco dava ou recebia beijos insulsos de lábios trêmulos, amargos, transmitidos por conveniências, desejos proibidos, quiçá, antes muito mais desejados.
Eu não tinha impaciência diruptiva, calvície acentuada, mãos sem forças, pernas fracas, tão paradas, frias e mortas; dedos e partes de órgãos outros inertes, receosos de ferir brios não exteriorizados... desejos frustrados, não percebidos, não sentidos por conta das iniciativas obstadas, não satisfeitas, frustradas pelas conveniências sociais e familiares.
Sempre fui muito atrevido, moleque e corajoso, mormente quando me dispunha conquistar o que supunha inconquistável, através da ousadia ilimitada, algo que eu queria só para mim; mas hoje reconheço que sou um jovem velho que não me dei conta desta mudança indesejada, tão simples, tão certa, tão fácil... por isso mesmo hoje resolvi me perguntar:
Em que espelho ficou perdido a minha face atrevida? A basta cabeleira nigérrima, a jovialidade moleca, reacionária, alicerçada pela irresponsabilidade da adolescência? O intimorato jovem da década de setenta? O conquistador dos anos oitenta e o que se julgava vencedor de outrora?
Não! Não mesmo! Não sou um vencedor! Sou um derrotado, no máximo um emergente. Não creio que crêem em um decrépito, semi-analfabeto, que a duras penas conquistou uma Pós-graduação depois de perigrinar por mais de meio século neste mundo profano; um avaro que se alimenta de raízes para se manter macérrimo; um ser agnóstico que supervaloriza seu próprio ego; um monstro de rutilância e escuridão mal-sã, desprovido de luz, e que mesmo assim, às vezes, em delírios insanos, se auto-intitula anjo de luz.
Eu não tinha este coração que hoje não se mostra, que se esconde sob a proteção do anonimato para evitar o pejo do ridículo e o enfraquecimento de um superego subalimentado pela razão incomum dos inconformados.
Hoje eu sou um jovem velho! Um homem que se aninha nos braços da solidão e beija as árvores, a boca da noite e dos cachorros fiéis e inocentes como a se despedir de um dia fastidioso, sem motivação, analógico, triste, talvez imerecido, e sem-fim.
Também, entrementes, creio ser a antítese do bem, da luz e do cheiro, do gozo e da dor... uma luz difusa que se auto-regenera pela força da paz inalcançável porque vivo em eterna provação aceitável apenas porque, às vezes, creio ter e ser a força divina da esperança.