Minha época de Call Center

Lembro com facilidade dos meus anos no call center. É um lugar interessante e cheio de altos e baixos. Mas uma das coisas mais intensas de trabalhar numa central de ligações é tentar conhecer as pessoas pela voz.

Fui pioneiro na minha cidade em trabalhar com uma linha aérea. Tentei trazer ao meu trabalho o máximo de empatia e simpatia. Minha marca registrada era o “muito bom dia!” Era meu script de abertura nas ligações quando estava no receptivo. “Fulado de Tal, muito bom dia! Por gentileza com quem eu falo?” Bem, algumas pessoas caiam na onda e respondiam a altura “Uauuuu! Que animação é essa?! Muito bom dia pra você também!!!!” Outras nem ligavam e despejavam seus problemas, mas eu tentava dar o melhor de mim a cada uma delas.

Depois de um tempo, acabei mudando de setor. Agora eu resolvia problemas com cancelamentos de voo e overbookings. Nesse setor eu conversava com muitos outros setores internos onde usávamos pseudônimos. No básico conversávamos todos os dias, brincávamos, mas não sabíamos nada do outro além do próprio tom de voz. É claro que isso abria uma janela incrível para a imaginação. Eram pessoas com as quais nos dávamos tão bem e riamos tanto e no fim nem sabíamos quem eram. Foi aí que aprendi a magia da voz.

Quando eu atendia os passageiros comuns eu sempre imaginava como as pessoas eram e muitas vezes a recíproca era verdadeira. Já vivi episódios engraçados. Uma vez fui convidado para viajar pra Nova York com uma senhora solteira de 40 anos com tudo pago. Outra vez uma mocinha de uma agência de viagens do Mato Grosso me ofereceu um emprego. Ela ligava todos os dias e exigia falar comigo no meu ramal. Recebi muitas cantadas e vivi alguns “romances” por voz de moças que ficavam ligando para resolver problemas simples simplesmente para falar comigo.

Também foi incrível saber o quanto eu pude mudar o curso da história de pessoas. Lembro-me da aflição das pessoas que ficaram presas na Flórida durante a passagem de um furação. Elas choravam desesperadas comigo no telefone gritando “Me tira daqui!!!!!” E eu não podia fazer muita coisa. Também lembro com carinho de uma senhora que ganhou uma viagem de presente de lua de mel. Era pra Cancun e a pessoa que deu o presente havia errado o nome, não poderíamos alterar segundo as regras da época. Um prejuízo de mais de 12 mil reais. A moça chorava inconsolavelmente, tanto que o esposo que teve que continuar a ligação. Saí de todos os procedimentos. Liguei diretamente para o aeroporto, depois pra agencia responsável pela reserva, depois para os setores superiores até conseguir consertar o nome dela e fazer esse casal viajar. Fiquei acompanhando a reserva deles a semana inteira pra ver se eles estavam fazendo uma viagem segura e se tudo havia dado certo. No fim deu, pra eles. Eu fui demitido.

Se essas pessoas pudessem me ver com certeza muitas teriam boas lembranças e seriam muito gratas, outras iriam querer me matar – como já recebi ameaças. Mas no fim do dia eu sempre ficava divagando sobre o quanto sem conhecer nenhuma daquelas pessoas, pude mudar tanto o rumo da vida delas e encurtar distâncias e aproximar pessoas.

Eu amava o que eu fazia, mas a companhia não gostava disso. Eles não queriam alguém que se dedicasse em resolver os problemas, mas alguém simplesmente para fazer o velho feijão com arroz. No meio dos insultos diários dos passageiros indignados com as regras da companhia, ameaças, reclamações e pressão interna acabei desenvolvendo transtorno de ansiedade generalizada que somado com o momento que estava vivendo no pessoal, desencadeou a síndrome do pânico.

No fim, a demissão do call center foi a melhor coisa que me aconteceu e veio no momento certo. Mas ainda lembro com carinho das pessoas que eu pude ajudar e ostento, até hoje, quase cinco anos depois, o título de atendente com maior números de elogios que aquela EPS já teve.

AçúcarMascavo
Enviado por AçúcarMascavo em 02/02/2020
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