Bicho preguiça
Estes dias, na fila do pão, uma pergunta me surgiu das profundezas do tédio: "Damião, se você pudesse escolher que animal ser, dentre as opções disponíveis, que animal seria?" É uma pergunta velha essa, muito frequentada em entrevistas de emprego; à cliente na fila do pão, porém, que eu saiba, é a primeira vez que se apresenta. A princípio, levado pelo instinto de autopreservação, como possivelmente mais da metade da população faria, a vontade é de mentir e responder que se pudesse escolher que animal ser, escolheria ser leão, com todo seu vigor e liderança. Porque ser leão tem a ver com sucesso, conquistas e admiração.
Quase todo advogado, médico, engenheiro espacial, lá no fundo, é um leão. Segundo a estatística, leão é o animal preferido dos advogados, médicos, engenheiros espaciais; escolha dos que, em algum momento na vida, pensaram em passar em entrevista de emprego. Leões, como se sabe, geralmente vivem na selva, mas ultimamente podem ser encontrados, mais ou menos domesticados, na cidade, sentados num banco de ônibus, em pé em uma fila de um caixa eletrônico ou mesmo na fila do pão ou vendendo um seguro desses seguros que os bancos imobiliários nos dizem ser para a nossa segurança. Afinal, quase todo mundo entende que ser leão é bom e progressista.
A maioria dos habitantes da terra quer ser leão, menos eu. Eu vou na contramão, com bilhete único, procurando assento capaz de comportar minhas ausências. Que os leões e meu instinto de autopreservação relevem, mas eu nunca quis ser leão. Não é ofensa; é apenas um modo diferente de ser. Ser leão é bom e progressista, beleza; mas é igualmente clichê, quase redundância; é chover no molhado; é fingimento consentido. O animal de minha predileção não é assim; é outro, um outro menor em tamanho e pretensões profissionais. O animal de minha predileção não ruge nem morde gravemente; não é progressista nem liberal; não tem jubas nem dentes afiadíssimos; quase nem morde, que morder requer técnica e adestramentos, coisas de progressista, coisa que o bicho preguiça não é.
Por isso, a pergunta vinda das profundezas do tédio tem resposta quase imediata. Se eu pudesse escolher que animal ser, que não o atual, escolheria o bicho preguiça. O bicho preguiça é um animal enorme em ser e sentir, que anda na contramão do progresso e da pressa do mundo. Não é de guerra, apesar de nadar bem; mastiga de olhos fechados; parece sempre estar sorrindo; move-se lentamente; não precisa saber matemática básica, primeiros socorros, culinária, horóscopo para viver. Basta uma árvore com folhas e distante do chão, onde possa comer e dormir principalmente, a olhar, por meio de seus sonhos, o mundo passar sem a pressa dos dias.