Um sonho errado

Quando acordei, ela estava sentada do meu lado, na cama, me encarando com um olhar pesado. Esfreguei meus olhos e me sentei escorado na cabeceira.

- Eu quero que você vá embora – Ela disse, num tom sério.

- O que aconteceu? – Perguntei.

- Só quero que você junte suas coisas e vá embora.

Me estiquei e peguei o celular para ver a hora. Meio dia e dez... o que estava de acordo com o calor abafado do quarto.

- Tudo bem. – Eu disse – Mas seria bom saber o motivo disso tudo.

- Eu não te amo mais. É só isso. – Ela respondeu.

- Eu sequer sabia que você me amava. Pelo menos nunca me falou nada respeito.

- Por que não era da sua conta. Mas eu não te amo mais.

Saltei da cama e fui andando até o armário. Juntei as minhas roupas, que ela tinha dobrado e guardado num cantinho, junto as suas. Fazia uns dois meses que eu dormia com ela praticamente todos os dias, o que nos tinha feito até pensar em tornar algo mais permanente, já que eu mal passava tempo no cafofo que eu chamava de casa e estava pagando aluguel à toa. Mas pelo jeito, alguma coisa tinha mudado na cabeça dela.

- Tudo bem... – Pensei - Já estava demorando, inclusive.

Coloquei tudo que era meu dentro de uma mochila e a joguei sobre a cama. Fui até o banheiro, peguei minha escova de dentes e joguei o barbeador no lixo.

Deixei a toalha molhada pendurada num gancho atrás da porta. Se ela quisesse, poderia botar no mato. Tanto fazia para mim.

Vesti a bermuda que tinha ficado sobre o sofá e a camisa que eu tinha usado no dia anterior.

Quando voltei ao quarto, ela estava com um livro aberto nas mãos, passando as páginas freneticamente. Era o um livro que eu havia lhe dado, pouco depois de nos conhecermos, e que ela disse ter gostado muito e lido mais de uma vez. – O sol também se levanta. E. Hemingway. –

Sentei ao seu lado e coloquei a mão sobre os seus joelhos.

- Mel. O que está acontecendo, meu amor? O que foi que eu fiz. Me diga, pelo menos.

- Eu não sou o seu amor. Ela é.

- Ela quem? – Perguntei, surpreso.

- Ela. Você sabe muito bem de quem estou falando.

- Não sei. Se soubesse não estaria perguntando.

- Não se faça de desentendido. Odeio homem que paga de doido.

- Não estou pagando de nada. Só não sei o que você está falando. Não faço a mínima ideia.

Mel se levantou e jogou o livro na parede.

- Você é muito engraçadinho. Estou cansada disso. Cansada de ser trocada. Cansada de estar com quem não quer estar só comigo.

- Puta que pariu. Não te troquei por ninguém, mulher. Seja direta, por favor. Ou está tentando jogar verde para colher maduro?

- Ah seu filho da puta. Você falou o nome dela várias vezes ontem à noite. E agora não sabe quem é?

- Falei quando? Não me lembro disso – Perguntei já exaltado.

- Falou dormindo!... Várias e várias vezes. Por certo estava sonhando com ela.

- Mel. Você não pode estar falando sério.

- Estou, oras... claro que estou. Você estava sonhando com alguém. E eu não posso estar com um homem que dorme comigo, mas sonha com outra.

Me levantei da cama e fui até a varanda, para buscar um pouco de ar. Olhei para baixo e vi os carros e as pessoas passando, seguindo a normalidade de um domingo à tarde. O vento da rua era um contraste agradável ao calor do quarto dela, que tinha estado fechado para manter a luz do lado de fora.

Respirei fundo e voltei para perto dela.

- Mel. Veja só. Isso não faz qualquer sentido.

- O que você quer dizer com isso? Que eu sou doida?

- Não. De forma alguma. Eu só não tenho controle sobre os meus sonhos. E eu sequer me lembro de ter sonhado com mulher alguma.

- Pois então o seu subconsciente deve estar apaixonado por alguém. O que é quase pior.

- Me diga então o nome dela.

- Não interessa agora. Só quero que você vá embora. E leve essa merda de livro. Não quero nada seu aqui.

Olhei para o livro caído no chão e tive raiva... Raiva dela... Raiva daquilo tudo. Parecia uma piada de mau gosto. Mas tudo bem. Não dá pra entender o que se passa na cabeça das pessoas.

Me levantei, botei a mochila nas costas e saí.

- Pode jogar no lixo se não quiser mais. – Eu disse, antes de sair.

Deixei a porta aberta atrás de mim e desci pelo elevador.

Fui andando até a parada de ônibus e voltei para casa.

Meu apartamento estava do mesmo jeito que eu tinha deixado. Mas com um dedo de poeira sobre os móveis. Troquei os lençóis, tomei um banho e bebi um copo de água antes de me deitar.

Dormi enfim, sem saber o nome da mulher com quem eu tinha sonhado e que tinha, sem saber, magoado tão violentamente, o coração de Mel.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 31/01/2020
Código do texto: T6855109
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