O militante negrista, os brasileiros e a dívida histórica
O militante negrista: "Os brasileiros contraíram uma dívida histórica com os brasileiros negros descendentes de escravos. Devem saldar a dívida, oferecendo-lhes meios, via programas de inclusão, de ascenderem socialmente."
Um brasileiro descendente de japoneses: "Que dívida histórica eu contraí com os brasileiros negros? Nenhuma. Meus ancestrais são japoneses; e os primeiros deles, meus tataravós, a pisarem em terras brasileiras o fizeram em 1908, após, portanto, a abolição dos escravos. E jamais foram escravocratas. Foram migrantes fugidos da miséria e da fome que assolavam a terra de seus antepassados. E contribuíram, com a inteligência deles, com a força de vontade, que eles tinham de sobra, para a construção do Brasil, criando tecnologias que beneficiam brasileiros descendentes de escravos."
Um brasileiro descendente de italianos: "Meus bisavós pisaram no Brasil, vindos da Itália, em 1928, e fincaram pé em São Paulo. Não contraíram nenhuma dívida histórica com os brasileiros nativos de ascendência negra, tampouco tiveram alguma participação na cultura escravocrata que vigia no Brasil no século XIX. Além do mais, eles presentearam o Brasil com uma cultura singular, de matriz católica, literatura e conhecimentos que beneficiam brasileiros descendentes de escravos."
Um brasileiro descendente de ucranianos: "Em 1912, pisaram, no Paraná, meus tataravós ucranianos. Eles jamais escravizaram os negros. Não contraí, eu, descendente deles, nenhuma dívida histórica com os negros descendentes de escravos. Que alguém prove que meus tataravós, ou algum de seus descendentes, maltrataram um, apenas um, brasileiro negro. E tenho a dizer, também, que meus tataravós participaram da construção do Paraná, enriquecendo-o com sua cultura musical e literária e inteligência filosófica, histórica e política, criando bens e disseminando idéias que beneficiam brasileiros descendentes de escravos."
Um brasileiro descendente de portugueses: "Meus pais, casados em Lisboa, chegaram ao Brasil em 1980, quase cem anos após a abolição dos escravos, e aqui trabalharam, constituíram família, amealharam um bom pé-de-meia, e ergueram uma empresa atacadista em cujo corpo de funcionários, constituído de mil e seiscentas pessoas, há quinhentos negros e inúmeras pessoas, que não negras, de africanos negros descendentes. Quantos, exatamente?! Impossível saber. Talvez mil. E não há, nos registros históricos da minha família, nenhum ascendente meu que tenha, antes de meus pais, atravessado o Atlântico e pisado nas quentes areias das praias brasileiras. Com orgulho ausente de soberba, de arrogância, digo que meus pais, com trabalho e talento empresarial, beneficiam brasileiros descendentes de escravos."
Um brasileiro descendente de judeus: "Após a Segunda Guerra Mundial, meu bisavô paterno, judeu, macérrimo, esquelético, cadavérico, liberto de Auchwitz, embarcou para os Estados Unidos, e de lá para cá, e aqui conheceu a mulher que viria a ser sua esposa, minha bisavó. Físico e químico exemplar, ele, com sua fenomenal inteligência, participou de pesquisas que redundaram na criação de máquinas e equipamentos médico-hospitalares que beneficiam brasileiros descendentes de escravos."
Um brasileiro descendente de norte-americanos: "Meus avós, empresários do ramo automobilístico, trocaram a terra onde nasceram pelo Brasil, terra que os acolheu de braços abertos e que eles adotaram. E aqui, laboriosos, industriosos, ergueram um império empresarial que dá emprego a quase três mil pessoas, muitas delas negras. Com a inteligência e energia que lhes fazem a fama, eles beneficiam brasileiros descendentes de escravos."
Um brasileiro descendente de africanos: "Meus avós, ambos de nacionalidade incerta, viveram, vagando, errantes, incansavelmente, pelo centro-sul da África, de um país para o outro, fugidos de guerras e da fome, até o dia em que decidiram arrumar as trouxas e rumarem para o Brasil. Este capítulo da história deles desenrolou-se nos anos 1960. E aqui eles deixaram descendência. Hoje, temos um teto que nos abriga. E o nosso trabalho, isto é, o trabalho de meus avós, meus pais, meus tios, meus primos, meus irmãos e meu, beneficia brasileiros descendentes de escravos."
Um brasileiro: "Eu não contraí nenhuma dívida histórica com os brasileiros negros e com os negros que foram trazidos, da África, pelos portugueses, durante o tempo da escravidão. Eu não os escravizei, tampouco maltratei negros. E, não posso deixar de dizer, sou descendente de africanos (alguns dos quais escravos), e de europeus (poucos deles portugueses donos de escravos), e de americanos, quero dizer, de povos nativos da América, povos que aqui viviam antes de Cristóvão Colombo, Américo Vespúcio e Pedro Álvares Cabral sonharem em nascer. Agora, só porque eu, após mais de não sei quantas gerações que se misturaram a ponto de diluírem as características puras das, digo, na falta de expressão melhor, raças das quais, ensina a lenda, originou-se o tipo brasileiro, a negra africana, a branca européia e a marrom americana, agora, prossigo, só porque eu tenho a pele branca, tenho de saldar uma dívida, que é histórica, dizem, sendo que em minhas veias e artérias corre sangue africano, de escravos!? Não sou devedor de nenhum negro; eu nunca fiz mal aos negros. E se algum ancestral meu maltratou algum negro, algum antepassado meu foi o negro maltratado. Então, eu sou o meu devedor e o meu credor. Conclusão: eu já saldei a minha dívida histórica. E que ninguém mais me torre a paciência com tal asneira. Eu tenho mais o que fazer. E vá catar coquinho, militante negrista! E vá lamber sabão! E vá plantar batatas! Fui!"