O Peregrino* (28/01/2020)
O peregrino não dera a ninguém o direito de lhe acompanhar. Era ele, o seu cajado e um terço na mão... - De tão cumprida, a marcha passou à impiedosa. Mas, coisa alguma o distraía. Perambulando, pretendia chegar do outro lado da vida. Houve, ainda, o tentamento à libidinagem e à cobiça... - Às quais, prontamente, ignoradas. Mas, o pior era o nada. Por vezes, a própria sombra o desprezava. Contudo, a quietude não o estremecia. Era de uma constância inexcedível. O andarilho se distanciava do ponto de partida e os seus medos ficavam pelo corredor... – Tinha a si mesmo por testemunha, já disse. Não carregava provisões. Fazia da fome, o seu jejum. O velho era um retirante das coisas do mundo. Os movimentos já não pareciam tão firmes; mesmo assim, perseverava. E, quando se supunha que ia desabar, era nisso em que se aprumava. A vereda agora se apresentava mais sinuosa. Mas, isso também não o abatia. – O esforço sobre-humano ameaçou a sua intrepidez. O vigor parecia estar se exaurindo. Foi quando o notei cambaleante. - Achei que fosse, enfim, sossegar. Porém, mais uma vez, desdenhou da razão. O cristalino do olho mesmo opacificado enxergava o ilimitado. O peregrino, como que por convicção, deu mais um passo. Não sei se ele conseguiu terminar a andança, contudo, confesso: - Como eu invejei aquele homem de ideia dominante e absoluta paixão.
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O peregrino não dera a ninguém o direito de lhe acompanhar.
Era ele, o seu cajado e um terço na mão.
De tão longa, a marcha tornou-se impiedosa.
Mas coisa alguma o distraía.
Perambulando, pretendia alcançar o outro lado da vida.
Houve, ainda, a tentação da libidinagem e da cobiça,
às quais, prontamente, ignorou.
Mas o pior era o nada.
Por vezes, até a própria sombra o desprezava.
Contudo, a quietude não o estremecia.
Era de uma constância inexcedível.
O andarilho distanciava-se do ponto de partida,
e os seus medos ficavam pelo corredor.
Tinha a si mesmo por única testemunha, já disse.
Carregava poucas provisões; fazia da fome o seu jejum.
O velho era um retirante das coisas do mundo.
Seus movimentos já não pareciam tão firmes,
mas, ainda assim, perseverava.
E, quando se supunha que iria desabar,
era nesse instante que se aprumava.
A vereda agora se apresentava mais sinuosa.
Mas isso também não o abatia.
O esforço sobre-humano ameaçou sua intrepidez,
e o vigor parecia estar se exaurindo.
Foi então que o notei cambaleante.
Achei que fosse, enfim, sossegar.
Porém, mais uma vez, desdenhou da razão.
O cristalino do olho, mesmo opacificado, enxergava o ilimitado.
E o peregrino, como que por convicção, deu mais um passo.
Não sei se ele conseguiu terminar a andança.
Contudo, confesso:
como invejei aquele homem de ideia dominante
e absoluta paixão.