RECONSTRUINDO CENÁRIOS
(Da série: Sob o sol dos meus melhores dias)
26/01/2020
Estático, ali, eu fotografava no fIm de tarde de domingo.
À minha frente, dois velhos pés de butiás, o poço sob a aroeira, feitos resistência no abandono daquele terreno tomado pelo capim.
Há quem passe por ali, alheio ao cenário, o que é perfeitamente compreensível - não o conheceram em outros tempos -.
Porém, insensato seria eu, se refém da frieza, me deixasse investir num medroso envergonhado deste meu saudosismo vagabundo.
Então, tomando os pincéis do tempo, fui refazendo lentamente uma época de alegrias intensas, de simplicidade, de boas vivências.
Entre os dois pés de butiás, redesenhei a calçada de pedras irregulares , os canteiros e a glicínia preguiçosa emaranhada entre as vigas de cedro que sustentavam a varanda.
Duas janelas de madeira abriram-se para mim num sorriso acabrunhado, destes de moçoila do mato quando percebe chegada de visitas.
Na primeira - que dava para a sala – uma pequena parte da cristaleira repleta de pequenos cálices, bibelôs de cristais (a maioria,presentes de amigas) sobressaiu-se na metade entreaberta como que dando-me boas vindas, e o restante – meu velho conhecido – recriei na lembrança.
A mesa sextavada, em imbuia maciça, um vaso de flores sobre a toalha de crochê, as cadeiras pesadas , um “guarda louças” envernizado com enfeites e algumas garrafas de vinho e espumantes que vinham nas cestas de natal que a dona da casa comprava a prestação.
[ Columbus e Titanus - fazia questão de frisar ]
O rádio a bateria no outro canto, um aparador com vasos de avenca ao redor e a desbotada bandeira da Polonia – herança de família.
Por um momento cheguei a ouvir capítulos das radio novelas que desfilaram pelas ondas daquele rádio.
Na outra janela, esparramado na soleira , um bichano preguiçoso espiando os canteiros e dois travesseiros sobrepostos tomando o sol da tarde.
Tudo tão nítido, tudo tão distante e ao mesmo tempo tão presente em minhas divagações.
O sótão, com seus segredos , o potreiro encoberto de azevéns, parreiras e macieiras convivendo pacificamente ao redor da cerca de ripas.
O enorme pé de chorão debruçado sobre o estábulo e os mugidos da tarde trazendo as vaquinhas para a ordenha.
O terreiro bem varrido, a porteira, a charrete descansando ao lado da fornalha.
Veio-me à memória olfativa os bolos que faziam a alegria de datas especiais, Páscoa, natal, passagem de ano e eventualmente algum aniversário.
Um travo de saudade e mãos invisíveis apertando-me a garganta.
Era ali a casa de Tia Flora, de tio Elias, de meus primos...Foi ali uma pequena parte do paraíso com que um dia fui agraciado.
Uma lufada de vento trouxe-me por instantes as manhãs de pescarias aos fundos da casa, as mãos empunhando anzóis, ninhadas de bem te vis nas ameixeiras e alvorada de gansos aos redor do riacho.
Águas cristalinas de então, banharam-me os pensamentos e como numa imagem em sépia, num som corroído pelo tempo, eu vi os pés de tia Flora pedalando a sua “Vigoreli” numa daquelas tardes em que os relógios pareciam emperrados no escorrer das horas.
Do fundo do quintal, o assobio de Tio Elias em trechos de “loira façeira” - canção que ele adorava.
Na melancólica tarde de minhas lembranças, confesso que senti o cheiro das brilhantinas de titio, revivi a elegancia de meus primos de terno e gravata à caminho da noite Iratiense.
Que bobo sou eu ! Que piegas tudo isso !
Fui me distanciando, tomado do meu caminho real, tão frio,tão monótono, tão sem graça.
O ruído abafado e cadenciado dos pedais da máquina de costura seguiram-me pelo trecho.
Era como que minhas lembranças tivessem reinstalado aquele pequeno pedaço de meu mundo.
Joel Gomes Teixeira
(Da série: Sob o sol dos meus melhores dias)
26/01/2020
Estático, ali, eu fotografava no fIm de tarde de domingo.
À minha frente, dois velhos pés de butiás, o poço sob a aroeira, feitos resistência no abandono daquele terreno tomado pelo capim.
Há quem passe por ali, alheio ao cenário, o que é perfeitamente compreensível - não o conheceram em outros tempos -.
Porém, insensato seria eu, se refém da frieza, me deixasse investir num medroso envergonhado deste meu saudosismo vagabundo.
Então, tomando os pincéis do tempo, fui refazendo lentamente uma época de alegrias intensas, de simplicidade, de boas vivências.
Entre os dois pés de butiás, redesenhei a calçada de pedras irregulares , os canteiros e a glicínia preguiçosa emaranhada entre as vigas de cedro que sustentavam a varanda.
Duas janelas de madeira abriram-se para mim num sorriso acabrunhado, destes de moçoila do mato quando percebe chegada de visitas.
Na primeira - que dava para a sala – uma pequena parte da cristaleira repleta de pequenos cálices, bibelôs de cristais (a maioria,presentes de amigas) sobressaiu-se na metade entreaberta como que dando-me boas vindas, e o restante – meu velho conhecido – recriei na lembrança.
A mesa sextavada, em imbuia maciça, um vaso de flores sobre a toalha de crochê, as cadeiras pesadas , um “guarda louças” envernizado com enfeites e algumas garrafas de vinho e espumantes que vinham nas cestas de natal que a dona da casa comprava a prestação.
[ Columbus e Titanus - fazia questão de frisar ]
O rádio a bateria no outro canto, um aparador com vasos de avenca ao redor e a desbotada bandeira da Polonia – herança de família.
Por um momento cheguei a ouvir capítulos das radio novelas que desfilaram pelas ondas daquele rádio.
Na outra janela, esparramado na soleira , um bichano preguiçoso espiando os canteiros e dois travesseiros sobrepostos tomando o sol da tarde.
Tudo tão nítido, tudo tão distante e ao mesmo tempo tão presente em minhas divagações.
O sótão, com seus segredos , o potreiro encoberto de azevéns, parreiras e macieiras convivendo pacificamente ao redor da cerca de ripas.
O enorme pé de chorão debruçado sobre o estábulo e os mugidos da tarde trazendo as vaquinhas para a ordenha.
O terreiro bem varrido, a porteira, a charrete descansando ao lado da fornalha.
Veio-me à memória olfativa os bolos que faziam a alegria de datas especiais, Páscoa, natal, passagem de ano e eventualmente algum aniversário.
Um travo de saudade e mãos invisíveis apertando-me a garganta.
Era ali a casa de Tia Flora, de tio Elias, de meus primos...Foi ali uma pequena parte do paraíso com que um dia fui agraciado.
Uma lufada de vento trouxe-me por instantes as manhãs de pescarias aos fundos da casa, as mãos empunhando anzóis, ninhadas de bem te vis nas ameixeiras e alvorada de gansos aos redor do riacho.
Águas cristalinas de então, banharam-me os pensamentos e como numa imagem em sépia, num som corroído pelo tempo, eu vi os pés de tia Flora pedalando a sua “Vigoreli” numa daquelas tardes em que os relógios pareciam emperrados no escorrer das horas.
Do fundo do quintal, o assobio de Tio Elias em trechos de “loira façeira” - canção que ele adorava.
Na melancólica tarde de minhas lembranças, confesso que senti o cheiro das brilhantinas de titio, revivi a elegancia de meus primos de terno e gravata à caminho da noite Iratiense.
Que bobo sou eu ! Que piegas tudo isso !
Fui me distanciando, tomado do meu caminho real, tão frio,tão monótono, tão sem graça.
O ruído abafado e cadenciado dos pedais da máquina de costura seguiram-me pelo trecho.
Era como que minhas lembranças tivessem reinstalado aquele pequeno pedaço de meu mundo.
Joel Gomes Teixeira