A última vez
Você já parou para pensar que a vida é repleta de últimas vezes? Todos os dias alguém faz alguma coisa pela última vez e nem se da conta.
Teve um dia em que a gente viu uma pessoa que amava pela última vez. E nem deu importância. Talvez devêssemos ter parado um pouco mais, olhado com mais atenção. Sorrido com um pouco mais de vontade e até ter dito um adeus mais caloroso, mas não fizemos, não porque somos seres gélidos, mas, naquele instante, nem sequer imaginávamos que era a última vez.
Eu lembro da última vez que vi meu avô. Não consigo lembra a estação do ano, mas creio que era verão e era quente. Ele estava internado há dias. Como já estava no rádio e meu programa coincidia com o horário de visitas, não fui nenhuma vez ver ele.
Um dia minha mãe me disse que ele queria me ver. Fui a noite. Aproveitei-me do parentesco com uma das enfermeiras para furar o horário e ir até o quarto dele. Ele já estava nas últimas. Já não falava direito e tinha muita dificuldade para manter os olhos abertos. Lembro que ele olhou para mim, e lhe juro, que ele sorriu. Depois voltou para a expressão de nada que se formou em seu rosto. Eu não disse nenhuma palavra, mas sabia que aquela era a última vez que iria vê-lo com vida. Foi a última vez que o vi em definitivamente, já que no velório não me aproximei do caixão.
Claro que fiquei triste quando meu avô morreu, mas tantos anos depois me alegra o coração pensar que naquela hora gélida em que ele sentia a morte roubar-lhe o último sopro de vida, ele pediu para minha mãe para me ver e sorriu para mim, uma última vez.
Às vezes eu tento lembrar quando foi a última vez que joguei bola com os guris do Esporte Clube Barroca. Era assim que nos chamávamos o nosso time de vizinhança. Não consigo.
Do lado da minha casa, em um gramado, montamos duas traves de madeira de eucalipto e ali jogamos por muitas vezes e muitas vezes, mas houve uma que foi a última. Queria tanto me lembrar dessa última vez...
Tenho certeza que naquele dia Eu e o “Sapaterinho” escolhemos os times. Era sempre nos dois, por ser os mais velhos. “Sapaterinho” foi o único São Paulino que conheci. Sério, nunca mais convivi com um torcedor do São Paulo.
Naquela última vez acho que o Matheus ficou no meu time. Ele sempre ficava no meu time. De todos os guris que jogavam com nós o Matheus foi o que eu conheci a mais tempo. Praticamente, apesar da diferença de idade, nos criamos juntos. Nossos caminhos se cruzaram durante toda a infância. Engraçado pensar nisso. Se teve algum pênalti naquela última vez, foi ele que bateu. Ele sempre batia.
Acho que naquela última vez o Charles do Belô, deve ter acertado um chute de loge bem no ângulo. Ele nunca foi craque. Era gordinho, lento, não sabia driblar, marcava mal, mas sempre acertava um chute de longe bem no ângulo. Todo o jogo saia pelo menos um gol assim. Quando recebi a notícia da morte do Charles, a primeira coisa que me veio a cabeça foi ele batendo com a parte de fora do pé, mandando no ângulo e gritando: “pega goleiro”.
Naquele dia provavelmente a gente discutiu, gritou, corneteou, riu, lamentou, comemorou, ficou feliz e triste. Talvez até a gente tenha dito ao final: “amanhã vamos o mesmo time”, mas não teve amanhã. Aquela foi a última vez e a gente nem se deu conta disso.
Se eu soubesse que aquela era a última vez teria dado um abraço em cada um deles. Principalmente no Charles e no Juju, porque esses, o mundo já levou, e o braço hoje é impossível.
A vida seria diferente se a gente soubesse que aquilo que estamos fazendo, estamos fazendo pela última vez. Talvez se tivéssemos noção disso, faríamos a coisas com mais cuidado e capricho e talvez a vida fosse um pouco melhor.
Será que não está na hora de valorizarmos mais os gestos simples da vida como se eles tivessem acontecendo pela última vez? pois, é triste pensar, mas talvez eles estejam...