“Enquanto a corrida da sobrevivência tiver como linha de chegada o ter, a trajetória sofrerá as consequências. Não que a natureza se revolte, pois a racionalidade não lhe pertence, mas quando sufocada, a sua única cartada, será voltar a correr para onde tudo começou, e pra retomar espaço e fluir tranquila, carregará o que a sufocou, num lamento desesperado, visto sob lágrimas que a ela se junta.”
Das minas das Minas vejo a dor estendida num chão sem giz enlameado. Os destroços de uma violência ruptura que resgata o curso natural engolido pela canalização em prol da urbanização. O tapete preto, tão diferente do vermelho do Oscar, recebe as celebridades em seus veículos automotores deslizando qualidade e segurança e escoando em bueiros cada vez menores, funis, que carregam com dificuldade, esses nossos entulhos.
A engenharia quantifica o bônus, mas se esquece de quitar a dívida com o ambiente, detentor da propriedade. Entre mortos e feridos, sobraram os que, independentemente de classe social, se esconderam em local seguro na hora do dilúvio. Já não são pobres marginalizados, nem ricos imunes, são todos, em todos.
Não foram as encostas, não foram os prédios, não foram os carros, não tinha conta bancária e nem cartão cidadão que quitasse a dívida cuja negligência perdura por anos.
O sol volta a brilhar em Minas, um ano depois da tragédia de Brumadinho que agora se destaca nas tristes estatísticas de suicídio e utilização de medicamentos depressivos. Se é que a vida continua...
O sol volta a nascer enquanto as galochas pisoteiam o que sobrou depois que o rio passou. Entre o odor e a lama embutida de dignidade um povo que chora a morte dos queridos, suas verdadeiras joias, enquanto junta o que sobrou.
- Perdemos tudo, moça! Mas não a dignidade! Perdemos tudo, moça mas vamos recomeçar com coragem. Perdemos tudo, moça... Só restou a saudade.
Minas está entre as 10 cidades do Brasil cujas áreas verdes foram destruídas nos últimos anos, capitalizando uma perda expressiva, em favor das cidades que crescem desordenadamente.
Encolher o rio como se ele tivesse controle de si, fechar os olhos para a reforma agrária urgente enquanto a população cresce, encobrir a terra com capa preta e rezar para que Deus tenha Misericórdia! Esse balanço negativo debitado nas mãos de Deus é injusto... É injusto. O meu luto por Minas é a minha luta em Minas... “Quem te conhece, não esquece jamais, Oh Minas Gerais”.
E o “rio que desce as encostas parece que chora” e chora... Ou choramos nós enquanto assistimos o retorno. Parece filme, mas é roteiro real.