BUCOLISMO ATUAL

Cidade grande.

Agitação pelas ruas.

Muita, muita gente indo e vindo.

Rua larga com revestimento de pedras portuguesas brancas e pretas, bancos dispersos aleatoriamente, cobertura de plástico transparente bem acima dos prédios para minimizar os efeitos das chuvas que chegam sem avisar, mas que em contrapartida tal como lente potente amplia a intensidade da luz ofuscante do sol que as poucas árvores, acanhadas, não conseguem compensar nas pequenas ilhas de sombras que também fazem parte de tudo aquilo que se costuma definir como rua humanizada.

Ora que tolice, toda rua é humanizada, porque só humanos utilizam as ruas para os seus deslocamentos.

Os outros animais não precisam delas.

O calor abafado desses dias de verão parece que aumenta a sensação de cansaço e enfado nas pessoas, principalmente nas crianças que por estarem em férias escolares são forçadas a acompanhar os adultos na compra do material para o novo ano letivo ou na busca insana por aquele objeto ou calçado ou roupa ou qualquer outra bugiganga supérflua que está sempre faltando para que a felicidade se realize em sua plenitude ou para preencher o vazio das suas vidas muitas vezes inúteis e sem perspectivas.

Locutores com vozes empostadas fazem a propaganda das maravilhas que podem ser encontradas nas lojas, pessoas fantasiadas de fadas, super-heróis, palhaços oferecem panfletos para descontos ou para serviços de beleza.

Outras oferecem óculos de grau com exames de vista mais a segunda armação inteiramente grátis.

Há pessoas com placa de COMPRO OURO presa nas costas, outras oferecendo vagas de emprego ou refeição “self-service” sem balança e por preço fixo.

Uma pechincha imperdível.

Morador de rua, empurrando carrinho surrupiado de supermercado cheio de papelão, seguido pelo cachorro gordo, num trote preguiçoso, seu companheiro fiel e confidente incorruptível.

Filas e mais filas nas portas das lanchonetes que vendem sorvete de casquinha e vez por outra, entre os transeuntes, aparecem crianças com caixinhas oferecendo balas e chicletes.

Em grupos de três, as Testemunhas de Jeová expõem em folhetos numa carriola o segredo para a salvação.

Noutra parte da rua, sob tenda de lona, evangélicos oferecem imposição de mãos sobre as cabeças de quem se presta a receber oração para alívio dos problemas do dia a dia.

Há também escritórios volantes de vereadores para receber sugestões e prestar contas dos "seus feitos", porque afinal neste ano teremos eleições municipais e já está na hora desses sicários ressuscitarem e se insinuarem entre os mortais comuns para pedir votos e renovar as mesmas promessas feitas na eleição passada, mas que nem foram nem jamais serão cumpridas.

Como diz Jessier Quirino, “prometer como sem falta e faltar como sem dúvida”.

Mesmo deixando de lado o rigor científico da Etologia (espero que os meus colegas Biólogos ortodoxos não leiam isso) vale a pena sentar num dos bancos do calçadão e, sob a claridade de cegar camelo, observar o desfile asqueroso das tatuagens à mostra em partes inusitadas dos corpos, as expressões fisionômicas, os trajes bizarros, as falas, os penteados, os gestos... enfim, tudo o que faz parte do elenco comportamental da nossa Espécie e, em silêncio, desfrutar desse bucolismo urbano.

CITAÇÃO:

Verso do poema – O MATUTO E O CORONÉ - Jessier Quirino, poeta paraibano.