Chorei junto

Éramos moleques suburbanos por volta de 1968 ou 69, morávamos em Mauá-SP. As famílias eram dignas, porem pobres. No nosso bairro, contava-se nos dedos as famílias que tinha uma TV em casa.

No bar-mercearia da Dona Antonieta tinha uma TV parafusada na parede que era ligada todas as tardes. Por volta das 16 ou 17 horas começava o programa mais esperado, "Durango Kid". Era a hora que o futebol da rua b ou do terreno do japonês parava e toda molecada dava um jeito de arrumar um lugarzinho no chão do bar-mercearia para ver o "cow boy" caçando bandidos no velho oeste.

Nosso bairro era a Vila Lisboa, vizinha ao Parque Bandeirantes; o que nos dividia era o riozinho que nascia na chácara da família do Pato (nunca soube seu nome verdadeiro).

A situação dos moleques do Parque Bandeirantes era pior que a nossa. Eles não tinham nem onde ver TV, por isso começaram vir assistir na nossa vila. Não havia nenhum motivo, mas aquilo irritou parte da molecada.

Numa tarde, depois do filme, resolvemos dar uma "carreira" neles. Eles eram três, nós uns dez. Começaram as ameaças e logo os meninos correram pela Avenida Benedita Franco sentido Feital e nós atrás, eles entraram pelos "trilhos" que subiam um morrinho onde havia um labirinto de "trilhos" e ficamos vendidos.

Alguém teve a idéia de cercá-los na rua que descia por trás da casa do Zé da égua (atual rua Wadi Auada); corremos para lá; havia escurecido e eles já tinham passado, subido a rua Geraldo Branco da Silva e fugido de nós, mas deixaram um para trás, era o irmão do Roberto.

Quando ele nos viu ficou apavorado e correu pra debaixo do FNM do seu Lourenço. Pra variar, seu Lourenço e os filhos, Zé da égua e Jorge estavam consertando alguma coisa no velho caminhão, cercamos o caminhão e o menino começou chorar; pensei comigo mesmo, o que faria se estivesse no lugar dele; chorei junto.

Seu Lourenço com toda paciência perguntou por que estávamos brigando, ninguém sabia. Foi quando ele falou - "deixem de ser bestas moleques, vocês são todos coleguinhas", minha vontade de chorar só aumentava; afinal que besteira era aquela que estávamos fazendo? Deixamos o menino ir embora.

Nunca mais andei com a turma quando o assunto era briga. Passei a evitar confusões e brigas desde aquela época, embora tenha me metido em algumas na adolescência, mas nunca com turma. Era eu resolvendo meus problemas.

Poucos anos depois me tornei amigo do Roberto e de um de seus irmãos, o João. O Roberto era um dos meninos na confusão daquela tarde; aquele que nós cercamos era um de seus irmãos e havia morrido de tuberculose; nunca teve saúde e talvez por isso tenha ficado pra trás não conseguindo acompanhar os outros.

A bobagem que fizemos foi pra mim um aprendizado.