Os cantares de Urunn part 2
II
Fogo sobre rochas
Entre os portões de madeira calcaviana, ouve-se um barulho de batida forte. O sol começara a nascer, iluminava todo o reino de Haron. Os guardas dos portões se assustam com as batidas, tiram suas espadas para fora e então gritam para assustar o que fosse que estava lá fora. Quando abrem, um jovem elfo passa por eles, correndo, estava escorrendo lagrimas por todo o seu rosto. Sua espada estava manchada de sangue vermelho, endurecido, pelo tempo frio que o garoto pegou no meio da estrada. Roonnorn corre, até esbarrar em um elfo, que com um sinal de calma, mandou os guardas se afastarem.
—Eii! Oque foi rapaz? Calma está tudo bem, você está no reino de Haron agora.
Roonnorn olha para o elfo. Tinha uma barba aparada, cabelos grandes amarrados para trás, aparentava ter uma idade elevada, porem tinha músculos de cavaleiros pronto para o combate.
—A vila daltis, foi atacada! Vim correndo conversar com o rei. —Disse o garoto eufórico para o elfo que estava em sua frente.
O elfo franziu a testa, e olhou atentamente as vestes do garoto.
—Bom, eu fiquei sabendo sobre o ataque de ontem na vila daltis. Creio eu, que o rei já esteja sabendo do ocorrido...Há! Cadê os meus modos, não é mesmo? Me chamo, Guinnar de loreandia, prazer em conhece-lo elfo chorão.
Roonnorn limpou seu rosto com as mangas de suas vestes e olhou, detalhando cada linha e traço daquele homem.
—Loreandia? Esse lugar não existe. Foi destruído na época da antiga batalha. Lá que existia os...
—Fale, garoto! Não é proibido falar sobre o passado de um elfo, não é mesmo?
—Existia os...magos elficos, raros. Os que sobreviveram foram presos nas tumbas de Yalom, protegidas por nicares errantes, sugadores de almas.
Guinnar deu uma risada para o garoto. Achou tudo aquilo muito engraçado. Realmente loreandia fora destruída na batalha antiga. Seus livros foram queimados e os magos elficos aprisionados ou mortos. Mas o que o garoto não sabia e que não era repassado nos seus ensinamentos, era que a magia fica viva dentro de cada ser vivo. Poderiam queimar os livros e destruir os montes sagrados, mas a magia corria nas veias de todos.
O mago se vira e deixa o garoto para trás, se perguntando como aquele ser poderia ter sobrevivido esse tempo todo, e por que o achara aqui, logo agora.
—Eii. — Disse o garoto, correndo atrás do mago.
—Onde você está indo? Preciso de ajuda, preciso falar com o rei e explicar o que ocorrera ontem na vila. Meu pai...Fora levado com aquelas bestas malditas. Preciso resgata-lo.
Guinnar para pôr um momento de andar e olha para o garoto, levantando os braços para cima e fazendo um gesto esquisito de tédio.
—Seu pai, é? Se seu pai foi levado com aquelas bestas, garoto, já deve estar longe. Em um lugar que até mesmo o rei tem medo de ir. E outra, Haron sabe exatamente o que aconteceu ontem, mas não irá fazer nada a respeito.
O garoto arregalou os olhos para o elfo e fechou os punhos, com raiva do que acabara de ouvir.
—Oque? Mas por que o rei não iria fazer nada. O reino pode estar em perigo.
Guinnar volta a andar apontando para o palácio de pedras cinzas em cima de um monte com gramas verdes cintilando a luz do sol por todos os cantos.
—O rei está perdido meu amigo. Depois que sua armadura foi roubada, droga! Ficou louco. Se trancou em seu quarto...nem mesmo os mestres conseguem falar com ele. As notícias são passadas em papiros por debaixo da porta.
Roonnorn abaixa sua cabeça, se sentindo desolado por causa daquela informação. Não sabia o que fazer, seu pai foi levado para o norte, e tudo que sobrara dele foi a sua espada.
—Meu pai foi levado para o norte, será...será que já está morto?
Guinnar colocou os dedos entre os olhos e bocejou, olhou para o garoto e soltou uma cara de desprezo.
—Creio que não garoto. Caçadores são valiosos para eles, vai se tornar um escravo de quem lá esteja no comando daqueles monstros.
Os dois chegaram até uma carroça de madeira guiada por dois cavalos, um branco com cristas longas, e um marrom, parecendo ser mais jovem que o outro. Guinnar acariciou os cavalos e deu um tapinha de leve, como saudação na cabeça dos cavalos.
—Onde o senhor vai? Me ajude, eu lhe imploro, creio que ninguém deste reino tenha tamanho poder como o senhor.
—Vou para oeste garoto, atrás da armadura do rei, é claro.
O garoto deu um olhar para dentro da carroça do elfo, e percebeu que ali dentro havia, ouros e dacmmas jogados em cima de sacos de arroz. Roonnorn tinha a certeza que o mago não iria atrás da armadura por causa dos dacmmas.
—Leve-me eu imploro, sou ótimo com cavalos, cuidarei dos seus. Carregarei seus fardos e você me ajudara a resgatar o meu pai, por favor. — O garoto estava desesperado, perante Guinnar.
—Saia garoto. Não posso te ajudar, já me meti em guerras demais para um velho mago. Procure ajuda de algum caçador de recompensas, arrume seu jeito!
Roonnor se vira e vai embora sem dizer uma palavra se quer. Sabe que aquele homem poderia ajudar a resgatar o seu pai, mas como iria conseguir ajuda de um mago tão arrogante como aquele. Questionamentos entravam e saiam da mente do garoto, como aquele elfo sobrevivera? Como ele me achou aqui dentro? Por que me ajudara e agora me deixou em plantos?!
Roonnorn ficou de olho na carroça de Guinnar. Ficara lá parada do mesmo jeito que o mago a deixou quando se despedira com olhares para o menino. O garoto esperou até que o mago saísse de perto da carroça, então, adentrou com um pulo silencioso no meio da noite, ficou em silencio, até o amanhecer.
Jaziam feixes de luz dentro da carroça, balançava lentamente. O mago tinha começado a andar para fora do reino. Roonnorn ainda estava meio sonolento quando sente pequenas mãos dando tapinhas no seu rosto. O garoto abre os olhos e percebe que um diabrete é o causador dos tapas. Logo o elfo se assusta e levanta a espada sobre o pequeno demônio à sua frente.
Diabretes são criaturas extremamente inteligentes e rápidos, seus corpos são pequenos, cerca de 1 metro de comprimento, mas firmes, todo o corpo é revestido de uma pele avermelhada e uma cauda pontiaguda pronta para furar a garganta de qualquer ser. Era encontrados facilmente nas florestas mais afastadas, quando um elfo consegue a sua amizade, os diabretes se tornam fiéis escudeiros e ajudantes.
O diabrete se joga para o lado, esquivando do corte da lâmina do rapaz, para a sua cauda na garganta do elfo, pronto para mata-lo.
—elfooo! Nojento, senhor, senhor! Um espião entre nós.
Guinnar para a carroça já fora dos portões do reino. Sabia que o garoto dormira em sua carroça. Passar despercebido por um mago era algo de extrema dificuldade.
—Deixe-o em paz, Dilics — Exclamou o mago com uma voz árdua para o diabrete.
—Garoto, achou que passaria descoberto por mim e pelo meu amiguinho aqui?
O diabrete abaixa a sua cauda, pega o garoto pelo braço e o joga para fora, dando um pequeno susto nos cavalos.
—Desculpe senhor, eu só estava desesperado por alguém que me ajudasse. —Disse o garoto com os olhos já prontos para pingar lagrimas.
—Vamos matar esse filho de caçador!
O diabrete estava furioso com o garoto, poderia mata-lo facilmente com apenas um golpe.
—Vamos deixa-lo vivo, hum...cuidará dos cavalos. Vamos dar uma carona para você pelo Oeste até o trevo do dragão. De lá, arrume outra carona e siga o seu rumo, entendeu?
Roonnorn se levanta do chão, limpando suas vestes sujas de poeira. Coloca a espada no fundo da carroça aberta e faz um sinal de concordância para o mago e seu amigo vermelho demoníaco.
O mago faz um sinal com a mão pedindo para o garoto se sentar ao seu lado. Deu ordem aos cavalos para seguir a antiga estrada do oeste. Roonnorn percebe ao sentar ao lado do mago, que uma cicatriz vai da sua sobrancelha até perto de sua boca, nunca antes tinha reparado.
—Essa cicatriz, o que aconteceu? —Perguntou o garoto, sem hesitar.
O mago lanço um olhar de compaixão, jogou o ar dos pulmões para fora e começou a contar uma história.
— Bom. Eu só estou vivo até hoje garoto, por causa da magia. Na grande guerra, esse mago que vos fala ainda era jovem e cabeça dura...acredite, mais que hoje... — O mago soltou uma gargalhada seguida de uma tosse fervorosa.
—Essa cicatriz em meu rosto foi feita por um mago humano...um qualquer, que me acertou com uma espada de bronze. Maldito! Depois fui levado para o reino, em segredo para servir os reis. A magia foi descrita como profana e banida de todo o continente...
Sons de arvores rangendo e pedras se quebrando foram ouvidos atrás dos três. Roonnorn regala os olhos para Guinnar afim de ter uma explicação para aquele barulho, mas o mago apenas continuava olhando para frente. Dilics subiu rapidamente para cima da carroça afim de um olhar com mais precisão. Os barulhos no meio da floresta aumentaram, algo grande estava vindo, algo assustador.
—Senhor! —Gritou o diabrete. —Algo está realmente vindo, sinto o cheiro, está perto e vem como uma rajada de ar.
—Droga! Não é possível, eu não senti nenhuma presença desde que saímos do reino —disse Guinnar, perplexo.
—Isso não é bom —exclamou o garoto.
O mago ordena para que os cavalos corram mais rápidos. O barulho vindo da floresta fica mais forte, até o diabrete que são criaturas que raramente sentem medo, estava preocupado com aquilo. Como um raio no meio de uma tempestade a criatura passa por cima da carroça parando na frente dos cavalos. Era um homem, com capuz, seu rosto estava coberto por uma proteção de pano preta, apenas seus olhos eram visíveis. Negros como a noite. Olhar para ele dava um vazio na mais pura alma existente. O homem estava montado em cima de um urso. Mas não um urso normal, aquele era diferente, seu tamanho era enorme, seus dentes afiados como lâminas. Estava coberto por uma armadura preta manchada na parte inferior por sangue fresco. Aquela criatura teve um belo banquete algumas horas atrás.
—Me entregue o garoto elfico —ordenou o homem mascarado.
—Senhor...por que ele quer o garoto? Oque tem de importante em um filho de caçador —perguntou Dilics.
—Eu não sei, amigo. Mas creio que não podemos entregar o garoto. Algo me diz que ele deve ficar em segurança. Algo me chamou até ele no reino, tentei ignorar, mas agora vejo o que foi. —Disse Guinnar, nervoso.
—O que está acontecendo —grunhiu Roonnorn.
O mago apenas ordenou para que Dilics protegesse o garoto e se virou para aquele homem.
—Creio que a entrega deste pequeno elfo aqui, não será concebida.
—Então morra protegendo esse infeliz, pobre mago —gritou o homem sentado no dorso de um urso.
O mascarado veio com o seu urso para cima dos três, tão rápido que mal tiveram tempo de correr. Guinnar lança suas mãos para frente, conjurando uma proteção rápida para expelir o ataque frontal do urso. O mascarado desce de sua montaria, e lança uma força invisível, separando Guinnar de seu servo e do garoto.
—Ele é um mago! —disse o diabrete
—Proteja o garoto! —exclamou Guinnar.
— O-que está acontecendo? —perguntou o garoto.
O mascarado foi para cima do mago com uma espada verde brilhante, enquanto o urso fora para cima do garoto. Roonnorn levanta sua espada perante o urso. O animal tenta arrancar a espada com sua pata enorme, o garoto se esquiva para trás, batendo as costas em uma arvore. Ele fecha seus olhos, pensando que seria um fim sem um final feliz. Mas algo chamara a atenção do animal, pedras foram lanças em sua cabeça a fim de desnortear a fera.
—Venha seu urso idiota —gritou Dilics
O urso investiu com seus dentes para devorar o diabrete, mas o pequeno deu um salto e passou por cima do animal. A fera nervosa se virou e bateu uma das patas bem na hora que Dilics chegara ao chão, ele é jogado para longe e bate em uma pedra no meio da floresta.
—Impossível —murmurou o pequeno elfo.
A fera se vira para o garoto afim de pega-lo, começa a correr soltando um rugido feroz que estremeceu toda a floresta, pássaros voavam quando escutaram aquela coisa. Roonnorn levanta a sua espada afim de tentar conter a fera, se esquiva para a esquerda quando o animal se aproxima e dá uma investida em sua armadura, sem êxito o garoto arregala os olhos para o urso.
Morra! —Dilics gritou de trás do urso.
Lançou uma investida com a sua calda cortante e fincou no pescoço da fera. O urso sangra cambaleando e batendo com a cabeça no chão. Roonnorn olha para o diabrete com um sorriso de agradecimento.
...
Um círculo de destruição se alastra nos arredores dos magos. Forças poderosas são investidas um contra o outro. Guinnar não aguenta mais segurar os poderes daquele mago jovem, lança um raio para conter o mascarado, mas o mesmo o joga para o rumo das colinas no alto da floresta. Quando o mascarado percebe sua fera morta em alguns metros de distância, fica louco, grita como o próprio animal gritara minutos antes. Lança uma bola de fogo ardente no rumo de Guinnar, que para conter tal poder, conjura um escudo circular de água nos arredores, protegendo o garoto e seu fiel escudeiro. O mascarado abre um portal enquanto a bola de fogo queima tudo que não está protegido pelo mago, adentrou na esfera dimensional e desapareceu diante dos olhos de Guinnar.
—O que aconteceu? —perguntou Roonnorn.
—Eu não sei ao certo, garoto. Mas aquele homem, veio exclusivamente atrás de você. Você deve partir com Dilics.
—Como assim, chefe? —exclamou o diabrete.
—Dilics, leve-o para Belfrot. Existe um último mago azul da ordem, chamado Urunn. Pegue um dos cavalos e galope pela trilha cinzenta, dará apenas dois dias de viagem. Lá Urunn saberá explicar o que está acontecendo por todo o continente, vá, agora! —Disse Guinnar com os olhos cansados.
—Mas e você chefe, para onde vai? —perguntou Dilics.
—Por que aquele homem me queria Guinnar? —gritou o garoto.
—Logo você terá as explicações que merece, garoto, prometo. —disse Guinnar —Agora vá, vocês devem partir. Eu preciso pegar a armadura do rei e encontro os dois com Urunn, prometo.
Os dois assentiram perante o mago. Roonnorn nunca esteve tão confuso como agora, não sabia o que aquele homem queria com ele. Se perguntava a todo instante porque alguém iria querer um filho de caçador, que importância teria. As perguntas ficaram apenas em seus pensamentos mais profundos. O garoto montou com o diabrete em um dos cavalos, rumo a Urunn. Até mesmo o pequeno diabrete queria ter respostas sobre tudo aquilo. Guinnar pegou o outro cavalo e foi correndo para oeste, atrás da armadura do rei. Sabia que teria que resgatar aquela armadura, o rei precisava voltar a si, se uma eventual guerra surgisse seria crucial tê-lo na batalha.
Uma brisa suave vinha da trilha em que o garoto junto com o diabrete iniciou. Roonnorn sabia que algo grande esperava por ele, seu coração batia forte a cada cavalgada em cima do cavalo. Urunn não estava em nenhum livro que lhe foi apresentado nos estudos elficos, o garoto não sabia o que encontrar, mas sabia que não iria a lugar algum sem uma resposta para suas perguntas.